Um sonho pausado: entre o trabalho e a educação
- Coletivo F8

- há 2 dias
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O diploma de graduação não é apenas um sonho; para muitos, é a chave que abre portas para
uma vida profissional e financeira transformada. Anos de dedicação e estudo deveriam resultar em salários justos e estabilidade financeira com lugar garantido no mercado de trabalho.
Mas, a realidade daqueles que estão inseridos ou saíram do meio universitário é, por vezes, diferente. Dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil, lançados em 2024 pelo Instituto Semesp, revelam que o índice de abandono do ensino superior no país chega a 57,2%. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no segundo trimestre de 2022, 78,6% dos trabalhadores com diploma só encontram vagas em áreas que não exigem formação acadêmica.
O contraste entre o sonho do diploma e a dura realidade do mercado de trabalho se revela ainda mais evidente no Nordeste, onde muitos estudantes interrompem sua formação universitária para ingressar no mercado informal ou em empregos como o de telemarketing. A promessa de estabilidade e valorização profissional se desfaz frente aos altos índices de evasão e à escassez de oportunidades na área de formação.
Esta reportagem busca entender as questões que impactam o percurso no ensino superior e profissional dos jovens em Campina Grande, revelando uma contradição dolorosa entre o sonho do diploma e a urgência de garantir o sustento. O que os faz desistirem do tão sonhado diploma? Por que tantas pessoas não atuam na área da sua formação? Quais são os problemas que mudam o rumo da vida de milhares de estudantes?
Faculdade em pausa, contas em dia
Após três anos no curso de História, Pedro Henrique (20) decidiu interromper os estudos para trabalhar na área do telemarketing.
"Apesar de não ser o curso que eu desejava inicialmente, pensei em concluir a graduação, mas eu precisava de dinheiro e não podia apenas ficar dependendo dos meus pais, já sou um adulto e ‘poderia’ conciliar trabalho e estudos".

A declaração de Pedro reflete uma realidade que muitos jovens enfrentam por se verem obrigados a abandonar seus sonhos acadêmicos em busca de uma remuneração imediata apesar de todos os esforços e investimentos na educação.
A urgência de garantir o sustento se sobrepõe ao desejo de seguir uma carreira alinhada com a formação, que muitas vezes está tão próxima. O jovem se vê preso em um ciclo em que a educação, em vez de ser um passaporte para o futuro, se torna uma barreira quando a realidade econômica exige soluções rápidas.
Formação concluída, portas fechadas
O descompasso entre formação e atuação profissional é comum, sobretudo, em cursos que exigem experiência prévia ou redes de contatos, algo inacessível para quem divide o tempo entre trabalho e estudo.
Vitória Guedes, concluinte do curso de geografia, conta o sentimento recorrente de frustação, uma sensação de desperdício de esforço e investimento, por estar fora de sua área de formação. A rotina exaustiva durante a graduação, marcada por jornadas duplas ou triplas entre trabalho, aulas e estudos tornou-se ainda mais amarga quando o retorno profissional não aconteceu como o esperado.
“Antes mesmo de concluir a graduação eu já trabalhava informalmente fora da minha área. Me formar e ir para um trabalho de carteira de assinada era algo que eu já estava familiarizada, a minha expectativa era conseguir um trabalho na minha formação. Não foi por falta de tentativas, foi por falta de oportunidades.”

Sem tempo, sem rede, sem chance
A formação em uma universidade não envolve somente aprender o conteúdo em sala de aula, mas se efetiva também através de projetos de extensão, pesquisa, envolvimento social, construção de portfólio e da criação de uma rede de contatos. Atividades que são negligenciadas pela falta de tempo para dedicação por quem também precisa trabalhar.
O professor e coordenador adjunto do curso de jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Rostand Melo, acompanha muitos alunos em atividades de campo e relata a dificuldade desses estudantes.
"É muito comum alunos que já saem direto do trabalho, se atrasam [...] e muitas vezes chegam para comer no corredor ou nem conseguem, só vão conseguir depois da aula".

Os alunos que conseguem se dedicar integralmente ao curso, geralmente participam de atividades relacionados a formação, como monitoria ou extensão no contraturno o que acumula horas complementares. Esse é um "privilégio", segundo Rostand, que quem trabalha tem dificuldade para manter.
Estudantes que trabalham com carteira assinada não encontram incentivo financeiro proporcional advindo dos projetos das universidades, uma vez que esse tipo de auxílio tem um valor menor que o salário. Por outro lado, não participar dessas atividades restringe a formação discente. "A jornada que é exaustiva, 8 horas por dia […] faz a dedicação ficar muito direcionada ao momento da aula, e a gente sabe que a formação no ensino superior não é só sala de aula. Isso é uma realidade muito forte pra turma da noite", relata o coordenador.
Questão que se agrava para alunos do turno da noite, que em sua maioria, trabalham e precisam de tempo para deslocamento. No curso há iniciativas de adicionar mais disciplinas laboratoriais para ajudar esses discentes a construírem portfólio.

Vida além do trabalho, estudo além do cansaço
A jornada de trabalho também é um assunto que ganhou destaque nacionalmente por conta do movimento Vida Além do Trabalho, mais conhecido como VAT, que exige a revogação imediata da escala 6x1 (6 dias de trabalho e 1 de descanso).
O movimento começou com a petição pública, elaborada por Rick Azevedo, líder do movimento, exigindo o fim da escala e agora segue com a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 8/25, de autoria da deputada Erika Hilton (Psol-SP), que espera aprovação do congresso.

Essa redução na escala de trabalho certamente beneficiaria os alunos que precisam de tempo para sua formação e traria mudanças significativas para o desempenho de todo trabalhador, principalmente para os estudantes.
Equilíbrio emocional sob tensão
A jornada dupla exige equilíbrio emocional e organização, e muitas vezes, cobra um preço alto. Segundo especialistas, uma das principais queixas desses estudantes está ligada à sobrecarga emocional causada por cobranças e pressões. A constante busca por resultados, somada à rotina exaustiva, pode levar a quadros de ansiedade, estresse e até Burnout.

Para a graduanda em Psicologia pela FACENE, Drielly Targino, a procura por ajuda psicológica costuma ser motivada por fatores diversos, mas há um padrão recorrente:
“A cobrança, externa ou interna, causa prejuízos se não for corretamente dosada, e a pressão pode instigar uma competitividade não saudável ou até o isolamento”.
Drielly destaca que o autoconhecimento é uma ferramenta essencial para lidar com essas demandas. “É muito importante se observar, reconhecer os próprios limites e sempre focar no que faz bem”, orienta. Isso inclui colocar na rotina momentos de lazer, atividade física, contato com pessoas queridas e, quando possível, psicoterapia. Para aqueles que não reconhecem que há algo errado, o caminho pode ser mais delicado.
Caso você busque ajuda psicológica ou uma orientação profissional para organizar a sua rotina, a UEPB disponibiliza o serviço escola de psicologia que oferece a comunidade Plantão de Escuta Psicológica, Psicoterapia Individual, Avaliação Psicológica, Orientação Vocacional e Grupos Terapêuticos.

SERVIÇO
Você pode contatar tais serviços através do número: (83) 3315-3477, ou tirar quaisquer dúvidas no perfil do Centro Acadêmico de Psicologia, ou Capsi: @capsi_uepb. Se preferir fazer uma visita presencial o endereço é: 1° andar do prédio de Psicologia, situado à Rua Baraúnas, 351, no Bairro Universitário, em Campina Grande.
Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira: 07:00 às 17:00 hs.
Confira abaixo mais algumas fotos:
EXPEDIENTE
Fotografia: Amanda Carla, Ismael Marques e Joana Andrade
Entrevista: Erick Wendler e Ismael Marques
Texto: Amanda Carla e Joana Andrade
Supervisão Editorial: Rostand Melo e Ada Guedes



















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