Em outubro de 2023, após ataque do grupo Hamas ao sul de Israel, o governo de Israel interrompeu, mais uma vez, o fornecimento de serviços essenciais para a população de Gaza, como água, eletricidade e combustível, além de bloquear a entrada de quase todos os insumos, permitindo apenas uma quantidade limitada de combustível e ajuda humanitária básica.
Atos de punição coletiva têm se mostrado letais para a população palestina, principalmente para crianças, que acabam morrendo por falta de cuidados médicos. Além disso, os recorrentes ataques aéreos israelenses a escolas e hospitais em Gaza acabam reduzindo bairros palestinos a ruínas, obrigando a população a estar em constante deslocamento. Até 11 de dezembro de 2023, 1,9 milhão de pessoas, cerca de 85% da população de Gaza, tiveram que se deslocar do norte do território após ordem de evacuação.
Neste artigo, será realizada uma análise fotojornalística, explorando alguns dos acontecimentos na Palestina em 2023 e, em conjunto, questões éticas e de direitos autorais e de imagem a partir da fotorreportagem "Sobreviventes de ataques em Gaza", publicada no portal g1, em 21 de outubro de 2023, referente ao conflito entre as forças armadas de Israel e o grupo político Hamas, que ocorreu na mesma data.
As fotografias da fotorreportagem são de autoria de quatro fotojornalistas vinculados a agências internacionais: Mohammed Al-Masri, Ibraheem Abu Mustafa e Mohammed Salem da agência Reuters, e Hatem Ali da Associated Press.
Esta guerra é a mais mortal de Gaza e a mais letal dos últimos 50 anos de Israel. - portal G1
Sabe-se que a guerra de Israel contra a Palestina tornou-se um dos conflitos com o maior número de crianças mortas da história. Segundo a Defense for Children, organização civil em defesa da Palestina, somente entre 7 de outubro e 12 de dezembro de 2023, 18.700 palestinos foram mortos. Entre eles, cerca de 7.870 crianças.
Apresentadas na fotorreportagem analisada como as vítimas centrais dos ataques, identificamos que 11 das 12 fotos apresentam crianças como personagens da cena, sendo seis delas mostrando apenas crianças como personagens principais, cujos rostos estão expostos na maioria delas. Evidentemente, além de reportar o pós-ataque aéreo em Gaza, a fotorreportagem tem o intuito de reforçar que as crianças fazem parte do grande numero de civis palestinos que se encontram em situação de deslocamento em meio a guerra e que aguardam autorização para deixar os territórios palestinos, frequentemente negados ou demasiadamente demorados.
Em exemplo disso, por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (ONU) informou que, entre 2008 e 2021, 839 pacientes em Gaza morreram enquanto aguardavam uma resposta do governo israelense aos seus pedidos de permissão para sair do país em busca de assistência e tratamento médico.
Uma das vítimas que aguardava permissão para deixar Gaza era a garotinha da 2ª e 3ª imagem da fotorreportagem, que, assim como outros palestinos de dupla nacionalidade, aguardava do lado de fora da fronteira de Rafah com o Egito pela autorização de saída.
Adiante, assim como a 1ª foto, a 4ª foto também trata da explosão do hospital Al-Ahli. Nela, é apresentado um grupo de sobreviventes do ataque, incluindo algumas crianças. Ao fundo, nota-se carros totalmente e parcialmente destruídos e casas com suas estruturas danificadas. Ao analisar os elementos do cenário, pode-se perceber que o cenário da 4ª imagem se encontra na lateral direita da primeira imagem da matéria, na qual uma garotinha carregava seus pertences. As fotos buscaram relatar que, apesar do bombardeio, dessa vez no local do ataque, ainda restavam sobreviventes.
Além de imagens que mostram cenários após explosões e ataques, as fotos também revelam a realidade dos palestinos em situação de acampamento, após deixarem suas casas ou terem seus lares destruídos, como no exemplo das imagens 6, 7 e 8, produzidas no acampamento palestino administrado pela ONU.
A última foto desta matéria, localizada no final da página, é a única onde não há personagens infantis e mostra um senhor palestino em sua casa destruída pelos ataques aéreos israelenses em Rafah, ao sul da Faixa de Gaza.
ÉTICA NO JORNALISMO
De acordo com um relatório divulgado pela ONG Save The Children em 24 de junho de 2024, mais de 20 mil crianças palestinas foram mortas ou desapareceram na Faixa de Gaza desde outubro de 2023. A ONU reconhece, a partir do mesmo período, 14,5 mil mortes oficiais de crianças palestinas em consequência dos ataques de Israel à Faixa de Gaza somente neste ano.
Os números apresentados neste e em outros informes sobre este conflito estimam que a guerra de Israel contra a Palestina se tornou a guerra com o maior número de mortes e desaparecimentos de crianças na história. Diante desse contexto, leva-se em consideração que, embora as imagens exponham os rostos de crianças e demais menores de idade –ação não recomendada para jornalistas em função de reportagem–, supõe-se que o contexto das imagens é um contexto de denúncia, com o intuito de informar e evidenciar que crianças também fazem parte das vítimas palestinas do evento reportado nas fotografias.
Observa-se também que nenhuma das imagens da obra apresenta as crianças em situação de constrangimento ou violência extrema, não oferecendo risco à sua integridade moral ou física. Portanto, é possível concluir que as fotos apresentadas não estão em desacordo com a ética jornalística no que se refere à exposição desnecessária de menores em situação de vulnerabilidade.
DIREITO AUTORAL E DIREITO DE IMAGEM
Conforme as normas de direitos autorais para a publicação de imagens, os créditos da fotorreportagem estão devidamente atribuídos aos seus fotógrafos [citados anteriormente]. Portanto, todas as fotos usadas na matéria respeitam os direitos autorais dos fotógrafos no que se refere a creditação de propriedade intelectual dos autores.
Quanto ao direito de imagem, não é possível identificar –através da fotorreportagem– se houve autorização legal para o uso de imagem das pessoas que aparecem nas fotos, devido ao contexto do evento registrado pela reportagem: o pós-ataque. A partir disso, considerando que nenhuma das fotos foi feita durante algum dos ataques, conclui-se que, devido as condições precárias em que as fotos foram feitas, e à proximidade física dos fotógrafos com as pessoas fotografadas –o que fica evidente nos tipos de fotos feitas, como nas imagens feitas dentro de casas e acampamentos palestinos– é possível supor que as fotos foram, de alguma forma, consentidas aos fotojornalistas.
De toda forma, quando se trata de contextos de guerra e conflitos semelhantes, o direito de imagem funciona de maneira diferente, pois o ato de fotografar ou filmar um evento de guerra, ou causado pela guerra, como no caso analisado, a fotorreportagem deve cumprir, primeiramente, seu dever informativo e denunciante, atendendo ao requisito primordial do jornalismo: o interesse público.
Confira mais imagens da fotorreportagem:
Parte das informações apresentadas neste artigo podem ser encontradas também no Relatório Mundial 2024 do Human Rights Watch sobre o conflito Israel e Palestina no ano de 2023.
EXPEDIENTE
Análise e redação: Cecília Sales
Imagens analisadas: Mohammed Al-Masri, Ibraheem Abu Mustafa e Mohammed Salem (agência Reuters) e Hatem Ali (Agência Associated Press)
Supervisão Editorial: Rostand Melo
Comments