O Perigo do Uso Indiscriminado de Ansiolíticos e Antidepressivos
- sophias547
- 28 de mai.
- 4 min de leitura

Nos últimos anos, o Brasil tem registrado um aumento expressivo no consumo de ansiolíticos e antidepressivos, especialmente durante e após a pandemia de COVID-19. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que as vendas desses medicamentos cresceram, em média, 30% em 2021, em comparação aos anos anteriores. A alta demanda reflete a busca crescente por soluções rápidas para problemas relacionados à ansiedade e à depressão.

Apesar de a necessidade de tratar esses transtornos ser indiscutível, especialistas alertam para o uso indiscriminado desses medicamentos, que pode gerar dependência química e efeitos colaterais graves. Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) em 2022 revelou que 65% dos usuários de ansiolíticos não receberam acompanhamento psicológico adequado, enquanto 40% admitiram recorrer à automedicação.

A psicóloga Camila Araújo ressalta:
“É muito comum que pacientes cheguem à psicoterapia já tomando ansiolíticos e antidepressivos há anos, mas quando começamos a aprofundar a conversa percebemos que a questão está mais enraizada. A medicação pode interromper os sintomas ao agir no sistema bioquímico do paciente, proporcionando a ele a capacidade de trabalhar e estudar. No entanto, essa dor não é realmente curada; ela permanece sem tratamento. Assim, essa solução temporária pode se tornar um problema ainda mais sério, pois os sintomas tendem a se intensificar. O paciente acaba passando a vida inteira utilizando esses medicamentos, sem nunca ter tratado a causa subjacente, focando apenas nos sintomas.”

Falta de orientação: um problema grave
O uso prolongado de ansiolíticos e antidepressivos sem supervisão médica adequada é alarmante, sobretudo entre jovens e adultos que enfrentam pressões diárias no trabalho, nos estudos e na vida pessoal. A falta de informação contribui para o agravamento do problema.
A automedicação é outro fator preocupante. Muitas pessoas recorrem a receitas antigas, indicações de amigos ou compram medicamentos sem prescrição. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil já está entre os maiores consumidores de ansiolíticos e antidepressivos do mundo, um reflexo da necessidade urgente de discutir saúde mental de forma mais ampla.
É importante destacar que alguns desses medicamentos são classificados como "tarja preta", também chamados popularmente de "remédios controlados". A tarja preta na embalagem apresenta uma mensagem de alerta sobre o risco de dependência e sinaliza que estes remédios só podem ser vendidos com apresentação de receita médica específica que deve ficar retida na farmácia após a compra, evitando assim o acesso indiscriminado ou a aquisição de quantidade superior à estabelecida pelo médico.

Aos 28 anos, durante a gravidez de sua filha, Betjane da Silva, 46, foi apresentada à ansiedade de forma inesperada. “O médico me passou Cloridrato de Sertralina, que hoje me faz mal”, Acrescenta que enfrentou dificuldades para encontrar um tratamento eficaz. Após tentativas com yoga, academia e outros métodos alternativos, a pandemia agravou o desafio: um quadro de depressão que tornou ainda mais difícil socializar e sair de casa. "A única coisa que me ajuda é a fluoxetina", desabafa.
Betjane lamenta não ter recebido um diagnóstico adequado na época, sendo medicada inicialmente pelo obstetra que acompanhava seu pré-natal. Antes disso, crises de ansiedade a levavam ao pronto-socorro, onde era tratada com Diazepam. “Para mim, era remédio de doido, e ainda dava efeito rebote”, relembra, destacando o preconceito que existe em torno dos medicamentos "tarja preta". A falta de orientação e o impacto de tratamentos equivocados reforçam sua percepção de que, hoje, seria difícil tentar outra abordagem.

A psicóloga Fabíola Freitas, 50, especialista em práticas integrativas complementares e com 30 anos de experiência na promoção da saúde mental, destaca a importância de um acolhimento cuidadoso no tratamento da dependência de medicamentos.
“Primeiro, busco criar um espaço seguro e acolhedor para discutir o tema sem julgamentos. Explicar que a dependência não é um ‘fracasso’, mas sim um reflexo da forma como o cérebro e o corpo reagem a essas substâncias. Em seguida, trabalho em conjunto com outros profissionais de saúde, como médicos antroposóficos ou psiquiatras, para avaliar alternativas ou possíveis reduções gradativas das medicações. Meu objetivo é apoiar cada paciente a se reconectar consigo mesmo, superar desafios emocionais e viver de forma mais plena.”

Caminhos para mudança
Especialistas apontam que o fortalecimento de políticas públicas de saúde mental é essencial para conter o uso indiscriminado de medicamentos. Investimentos em atendimento psicológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e campanhas educativas sobre os riscos da automedicação são passos fundamentais.
Enquanto o país enfrenta esse desafio, especialistas reforçam a importância de buscar orientação médica antes de iniciar qualquer tratamento e alertam sobre os perigos de transformar os ansiolíticos e antidepressivos em respostas fáceis para problemas complexos.

A psicóloga Fabiola Freitas conclui ainda:
Vejo que a pressão social, combinada com a necessidade de atender expectativas irreais, contribui muito para a busca por ansiolíticos e antidepressivos. Muitas vezes, os pacientes chegam com um sofrimento emocional que é reforçado pela ideia de que precisam "dar conta de tudo". A correria do dia a dia e o estigma sobre buscar ajuda psicoterapêutica ou outras alternativas acabam levando-os a optar pelo que parece ser uma solução mais rápida.
Expediente
Fotografia: Adrielly Faustino, Geovana Barbosa, Guilherme Alves, Leidson Ruan e Sophia Oliveira.
Reportagem: Emerson Menezes, Guilherme Alves, Leidson Ruan e Sophia Oliveira.
Texto: Emerson Menezes e Sophia Oliveira
Supervisão Editorial: Ada Guedes e Rostand Melo
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