Quando foi criada a visão de que estar triste e ficar apodrecendo na cama por uma depressão profunda é bonito e um estilo de vida? Se sentir triste faz parte da vida humana, mas a partir do momento que tal melancolia se torna conforto, existe um problema.
“Meu ano de descanso e relaxamento”, escrito por Ottessa Moshfegh, traz uma visão de que ser triste pode ser renovador, que é normal se sentir mal e não fazer nada sobre isso. A protagonista, cuja a autora não revela nome, é uma jovem mulher, bonita e rica que se encontra perdida no mundo. Cansada de suas obrigações, trabalho e principalmente dia a dia, encontra uma solução para se acomodar e descansar, dormir por um ano inteiro.
Uma personagem amarga, mimada e irônica, pessoas péssimas e insuportáveis. No meio disso tudo, encontra uma psiquiatra não muito confiável, de quem consegue arrumar os remédios mais pesados para ter uma boa noite de sono. Seu plano seria quase perfeito, se ela não estivesse encobrindo uma profunda depressão e solidão. Mas quem precisa de ajuda e de uma boa terapia quando se pode dormir por um ano?
É mesmo tão poético e inspirador esse desespero? Essa melancolia avassaladora que toma tudo de você e te deixa aos prantos? Ou mais uma vez, estamos romantizando e tornando isso numa estética?
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Desde muito tempo atrás existe essa visão de que o escandaloso é mais atrativo, mesmo que, épocas atrás julgado, quanto mais “diferente” maior tendência. Criou-se a ideia de que para algo ser esplêndido, existe tristeza por trás e que para ser bonito, quem criou a obra, precisa ser triste e viver em extrema melancolia, pois assim terá apreciado o bom e o ruim da vida e achará beleza nas piores coisas.
Nos dias atuais, a maior parte dos conteúdos criados, sejam eles músicas, livros, filmes e séries, abordam pessoas tristes e doentes, vendendo um visual de “diferentões”. Pintou-se essa imagem de que o protagonista sempre tem um passado sombrio e vive sua vida no nível máximo de autodestruição, mas que isso o torna especial e interessante e o grande problema por trás disso é: o público alcançado e afetado são adolescentes “esponja”, que absorve o que consome independente de aquilo ser sadio ou não.
Sempre que trazido à tona, o alvo são mulheres. As mídias costumam abordar a imagem de uma mulher depressiva, triste e sensual com maquiagem forte e sempre, sempre se autodestruindo de alguma forma, os cigarros, as drogas e as bebidas estão sempre ao seu alcance.
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Escritoras como Clarice Lispector, Sylvia Plath, Ottessa Moshfegh e Sally Rooney; Cantoras como Lana DelRey, Taylor Swift, Phoebe Bridgers e Sasha Sloan. Depositam em cada letra que escreveram, sentimentos e claro que é normal se identificar e pensar “isso é muito eu”, às vezes, parece que você desabafou na DM do Instagram dessas artistas e elas escreveram algo só pra você.
Na verdade, o que todos querem é se encaixar em um grupo e até dizer que “não se encaixam em nenhum grupo”, já é se encaixar em um grupo. Tudo que buscamos no mundo é pertencer, ser de algum lugar e ser compreendido. Essa busca se torna tão obsessiva que qualquer lugar importa, mesmo que você tenha que fingir algo.
Um dos fatores que agravou essa máxima produção de conteúdos angustiantes foi: vende. Quanto mais pessoas consomem esse conteúdo, mais o mercado irá criar. O capitalismo não se preocupa com as consequências, contanto que renda dinheiro. Isso vale pros produtos midiáticos e para cigarro, por exemplo. Você foi avisado do mal que te faz, mas não vou parar de produzir só porque pode te matar.
Até que ponto doenças como depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos serão pintados como “traços de uma pessoa alternativa e cool”?
Até quando o desespero será desejável e as pessoas farão algo apenas para se inserir em determinados grupos?
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Na obra da Ottessa Moshfegh, a protagonista era um padrão belo e cobiçado, mas ela não se via assim e por mais que tenha tentado se encaixar em diversos grupos e diversas versões de si mesma durante toda sua vida, nada alimentava o vazio que sentia em seu peito, nada a transformara em outra pessoa como tanto desejava e nada mudaria sua vida, senão ela mesma. Desistir de tudo isso, desses padrões e dessas milhares de versões que tentavam agradar a todos, foi um passo, mas ela a tomou na direção errada ao desistir também de sua existência.
O livro, como diversas outras obras, trouxe mais uma vez uma mulher depressiva e amarga e fez jovens e adultos ambicionarem por tal irrealidade, dormir por um ano, sejamos sinceros, quem não gostaria de dormir por um ano e esquecer da vida em que fomos inseridos?
Pois é, isso também faz parte da romantização da tristeza e isso, meus amigos, é um grande problema.
No poema de Sylvia Plath intitulado como “Lady Lazarus”, a autora demonstra sua aflição pela vida, de maneira poética, de maneira real e de um jeito tão romântico que chega a ser bonito.
“[...] E eu, mulher sorridente. Tenho apenas trinta. E como o gato, tenho nove vidas para morrer.[...] Morrer É uma arte, assim como qualquer outra. Nisso sou excepcional.”
Durante tanto tempo esse assunto foi deixado de lado e até hoje pouco se fala sobre ele e os estigmas causados. Por mais simples que pareça, uma flor desabrocha e uma lagarta vira borboleta, a tristeza evolui e o desejo por ela se torna doentio. Até que ponto é saudável consumir conteúdos melancólicos? E até que ponto consigo não absorvê-los de maneira negativa em minha vida?
*Cristiane Sales é estudante do curso de Jornalismo na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Coletivof8.
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Fotografia: Cristiane Sales e Gustavo Alexandre
Texto e pós-produção das imagens: Cristiane Sales
Modelo: Emilly Fernandes
Monitoria: Briza Cunha
Supervisão Editorial: Ada Guedes e Rostand Melo
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