“Ainda hoje, infelizmente, o movimento hip hop sofre discriminação por parte de algumas camadas da sociedade”, afirma a rapper.
A rapper Luísa Nunes Mendonça de Lima nasceu no hospital da FAP, em Campina Grande – PB, filha de Luciano Mendonça e Maria dos Anjos e tem pai professor de história desde a década de 1990. Ao ser questionada sobre suas raízes, fala com muito carinho não só dos progenitores, mas do irmão, Marcus Vinícius, e da segunda mãe, Rosilda dos Santos, que ajuda sua família nos afazeres domésticos.
“Ambos me auxiliaram muito na questão de ter uma visão aberta de mundo, especialmente o meu pai. Sempre me falou da importância do hábito da leitura e da escrita, algo pelo que serei muito grata até o fim da vida. Foi alguém que sempre me alertou para ter cuidado com os vícios e trabalhar minhas virtudes. É uma grande referência que carrego comigo pra onde quer que eu vá, junto a minha mãe, uma mulher que passou por muita coisa difícil nessa vida e me inspira a ser melhor que ontem”, contou.
Influências: na história e na música
O encontro de Luísa com a história se deu no ano de 2015, quando começou a fazer o curso de licenciatura em história pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Durante os anos de 2016 a 2019, fez parte do PET Educação e Conexão dos Saberes – onde, inclusive, conheceu a metodologia da história oral, que viera a utilizar anos mais tarde em seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
Quanto ao rap, que está ao lado da história no que diz respeito às suas maiores paixões, Luísa começou a embarcá-lo no ano de 2017. Ela compunha suas músicas e as gravava no estúdio 189 Records, em Campina Grande, junto com Thiago Alcântara, mais conhecido como DJ Jóh.
Ao falar do DJ, Turmalina demonstra muito carinho e gratidão: “foi ele quem me apresentou às pessoas que fazem parte da cena local, quem me mostrou os equipamentos de som necessários para produção musical, quem me ensinou truques e dicas para melhorar minha interpretação e voz nas letras.” A partir de então, o interesse de Luísa em movimentos sociais, que já acontecia desde sua infância, se voltou para o movimento hip hop.
Desde sua infância, os diálogos sobre desigualdade, pobreza e mazelas sociais se fizeram presentes, assim como a música brasileira: manguebeat (gênero musical criado em Recife pelo glorioso artista Chico Science, falecido em 1996), tropicália (estilo musical criado no período da ditadura militar com intuito de driblar as leis de censura existentes na época, trazendo muita criticidade nas letras), maracatu, coco de roda, entre outros gêneros.
Tais influências musicais partiram tanto de seu pai quanto do seu irmão, visto que ele ouvia muito rap na adolescência e contribuiu para que Luísa crescesse nesse contexto. Hoje, algumas das maiores influências nacionais da artista, são, principalmente, Sharilayne, Racionais MC’s, Sabotage (assassinado em 2003), KAWEX (morto em 2021), Fábio Brazza, Rincon Sapiência, César Hostil (seu amigo e produtor), Lívia Cruz e Black Alien.
“Turma gang”
A intensificação da sua carreira como rapper se inicia com a criação da página @mcturmalina, na plataforma digital Instagram. Hoje, com pouco mais de 60 lives com artistas de diversas cidades paraibanas, Luísa pretende fazer a dissertação de mestrado sobre o tema “a história social do rap na Paraíba”, uma continuação de seu TCC.
Ainda sobre redes sociais, MC Turmalina costuma tratar os seus hip hop, em meados da década de 1960, as chamadas “gangues” eram conhecidas como grupos urbanos (geralmente formado por jovens das periferias estadunidenses) que se juntavam para cometer atos ilegais contra a lei vigente, a exemplo de contrabando ou assalto a bancos.
A própria tradução da palavra “gang” significa ‘criminoso’, ‘quadrilha’ ou ‘ladrão’. Posteriormente, com a chegada do movimento hip hop no bairro do Bronx (NY) e sua propagação entre os jovens de lá e de outros bairros compostos predominantemente por pessoas negras e latinas, a palavra “gang” ganhou outro significado de união e expressão de ideias. A partir de então, as gangues faziam competições de cada um dos elementos do hip hop (dança, grafite ou rima, ao som do DJ). Em relação a expressão “gangues” a rapper afirma:
“decidi utilizar este termo justamente para trazer essa ideia de união no rap paraibano, fazendo deste um ambiente saudável para quem quiser se aconchegar através da arte marginal”, reforça Luísa.
O rap na pandemia
Memórias e Trajetórias, Tour pelo RAPPB e Poesia em Tempos Difíceis são alguns dos temas abordados no seu projeto “Turma Live”, que teve início no mês de abril de 2020, no começo da pandemia da Covid-19, e que acontece de forma online na página da MC do Instagram. Trata-se de uma tentativa de divulgar e conhecer artistas de rap do estado da Paraíba, visto que a maioria possui pouca ou nenhuma visibilidade tanto dentro do estado quanto fora – especialmente no período de quarentena, onde os eventos e batalhas de rap não estão ocorrendo de forma presencial.
Para além da capital João Pessoa e de Campina Grande, segunda maior cidade do estado, o projeto visa apresentar MC’s e DJ’s de outras cidades do sertão, agreste e litoral paraibanos. Eles falam sobre suas vivências diárias e experiências no rap, além do o impacto que o movimento hip hop gera em suas vidas. Além dos rappers, também são entrevistados artistas que trabalham com poesia marginal e SLAM (ritmo parecido com rap, mas sem o beat; tem-se apenas com a voz e a entonação que a poesia exige).
Democratização do rap e impacto social
Segundo Luísa, “ainda hoje, infelizmente, o movimento hip hop sofre discriminação por parte de algumas camadas da sociedade. Por muito tempo, o rap ficou conhecido como ‘música de bandido’, o grafite como ‘vandalismo’ e o break dance como ‘vagabundagem’. Não por acaso, em outro momento da história, o samba já fora um gênero musical considerado um ‘crime de vadiagem’, passível de cadeia, perseguido e marginalizado. Não apenas pelo conteúdo das letras dos sambistas, mas, principalmente, devido à origem do samba, da capoeira, das religiões de matriz africana: a mistura de ritmos entre Brasil e o continente africano. O racismo está presente na nossa mentalidade, nas nossas leis, nas nossas ações cotidianas, nas nossas instituições, direta ou indiretamente”.
Quanto à ascensão do rap, principalmente, nas redes sociais, a MC continua: “por não conter tanta censura quanto a mídia popular, as redes sociais têm sido um ambiente de refúgio para os artistas, mesmo que a internet não substitui o movimento que nasceu e ainda acontece na rua, com artistas e público. A popularização das próprias redes sociais e apropriação dos meios de informação pelos artistas traduz em suas letras a vivência social que é resultado de um projeto político. A denúncia contida nas letras de rap, quando publicada nas redes, funciona como um registro histórico fundamental para compreender nosso tempo e também como uma fonte de informação para aquelas pessoas que não possuem acesso à informação ou à cultura”, finaliza.
FICHA TÉCNICA
Fotografias: Eric Matheus
Redação: João Alfredo Motta e Lígia Nogueira
Pós-produção das imagens e Revisão textual: Eric Matheus, João Alfredo Motta e Lígia Nogueira
Monitoria e redes sociais: Manoel Cândido , Josineide Barbosa e Louise Viana
Supervisão Editorial: Rostand Melo
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