Uma década de pixo: A história da crew UPS em Campina Grande
- andreit65
- 14 de abr.
- 6 min de leitura

Segundo o artigo nº 65 da Lei Federal 9.605/98, Lei dos Crimes Ambientais, “Pichar, grafitar ou por outro meio vandalizar edificação ou monumento urbano é crime”. A palavra “vandalismo” é frequentemente utilizada para desumanizar a pixação, mas na falta de um auto falante e meios de comunicação a favor de suas lutas, os pixadores utilizam do spray para propagar as suas vozes e potencializar uma mensagem.
Em Campina Grande, a necessidade de ocupar espaços e reafirmar a própria existência se materializa através das crews, grupos de pixadores que compartilham ideais, estratégias e objetivos. Com 10 anos de atuação na cidade, destaca-se a UPS, também conhecida como “UspsicopataS”, mas que nasceu como "União de Pixadores Skatistas".
Usando a noite como cúmplice, com tinta e spray na mão e uma ideia na cabeça, os pixadores deixam suas mensagens nas paredes e fachadas da cidade. Embora suas marcas possam ser apagadas no dia seguinte ou algum tempo depois, as experiências e sentimentos que carregam continuam vivos em seus corações: "Cada experiência marca. Todo rolê é um rolê".
O pixo vai além de colocar um nome em uma parede, é uma forma de expressão urbana que ocupa muros, fachadas de prédios e espaços públicos com letras estilizadas e mensagens breves.
Para Valkenia, grafiteira e membro da crew ATF (Atitude Feminina) e dona da ladygrafiti, o pixo “Tem uma raiz no protesto, desde os tempos antigos ele é utilizado para isso […] O pixo é uma forma das pessoas serem ouvidas, serem enxergadas pelo menos nas paredes”.
Outros pixadores e membros da UPS afirmam o mesmo que Valkenia, como Ziu.“ O pixo tem várias visões, depende se a pessoa está na rua pra fazer arte, para meter o protesto ou para levantar o nome de uma parada”. O pixo pode ser também uma válvula de escape, uma terapia urbana. “A arte do pixo não é uma tela bonita mas sim tudo que você
considera como arte", adiciona Ziu.
“O pixo é uma forma de expressão, é uma arte, é uma contracultura, é uma revolta, é um grito.“ (Mérlin, membro da UPS).
Point de comemoração de 10 anos

Entre 2011 e 2012 com saídas de skate casuais que acabavam em rabiscos nas paredes, a UPS nasceu com o nome de União de Pixadores Skatistas. Algum tempo depois em 2014, por ideia de um dos fundadores da crew, Crail renomeou a UPS para “UspsicopataS”, mudança que desatrelou à imagem dos skatistas.
Essas saídas casuais e entre amigos se tornou algo maior e completa 10 anos de atuação
com muita história. Com um encontro em um dos bairros em Campina Grande, a UPS promoveu
um point com game of skate, batalha de tag, e as premiações de “melhores (pixadores) do ano”
e sorteios.
O evento contou com a presença de membros de crew, amigos dos membros e novos
pixadores que entraram recentemente para a UPS, onde o point foi o primeiro contato com todos
juntos. O evento da UPS foi além de uma comemoração: o encontro ajudou a movimentar a cena
e incentivou os participantes a não desanimarem da pixação, continuar sempre pixando.
“O intuito desse evento é destravar geral. O nosso sonho é ver o povo descendo de corda, fazendo a cena acontecer!” (Chorão, membro da UPS)
A adrenalina do pixo

Muitos encontram no pixo uma maneira de aliviar o estresse e o cansaço acumulado durante o
dia, transformando a noite e a prática da pixação em uma espécie de terapia radical, pessoal e
coletiva. Apesar dos riscos e do perigo que vivenciam, a paixão pela arte os impulsiona a continuar se expressando da maneira que gostam, mesmo que isso gere insatisfação nos outros.
Mérlin, um dos membros da crew, relata: "Fui abordado duas vezes no mesmo rolê, no meio da
rua, por pessoas armadas que não eram policiais, mas não gostavam do que a gente fazia. Apontaram a arma pra gente e nos fizeram deitar no chão."
Muskitto, por sua vez, explica: "Eu gosto de olhar e pensar que o meu nome ali incomodaria
quem não é do movimento, porque o meu lance é incomodar o que me incomoda. E o que me
incomoda é a forma como a sociedade interage. Se você não agir conforme ela manda, então
você é excluído, e aí surge o termo marginal, para quem está à margem da sociedade."
Em entrevista, foi questionado: “existe alguma experiência com pixo que marcou sua vida?”.
Todos os pixadores responderam a mesma coisa, “Não tem apenas uma experiência, todo rolê é
marcante”.
Para Elfo, uma experiência marcante foi quando “Meu pai me denunciou, associou a assinatura
com o meu nome e viu no meu caderno. Fui parar na delegacia e tive que pintar o muro da escola todo.”
Embora algumas experiências tenham sido ruins no momento em que aconteceram, elas ainda
são lembradas como marcantes e até engraçadas. Chorão relata uma vez em que durante um
rolê de pixo foi abordado pela polícia. Horas depois, com outros dois pixadores, Pecado e Sluk,
já em outra ação de pixação na rua João Pessoa para homenagear o membro falecido Crail. Os
mesmos policiais os encontraram novamente, desta vez com uma moto irregular que acabou
sendo apreendida: “Quando a gente desceu levaram a moto do boy e foi uma resenha. Pra tu ver
como é uma resenha, no outro dia a gente estava passando e ficou rindo da situação porque a
tela ficou massa, ficou foda, demos cor a uma parede preta”
O chamado de um pixador

No mundo do pixo, para evitar problemas maiores, nunca é utilizado seu verdadeiro nome, mas
sim uma tag que só o grupo conhece. A crew UsPsicopataS, conhecida também como “a+ cruel”, conta com 13 membros, sendo eles Nka, Pis, Muskito, Kalmo, Silva, Merlin, Maraica, Covil, Liege, Ziu, Ngb e Hor.
É importante citar a tag de todos os pixadores porque, segundo o membro Chorão, “Não existe só um psicopata, tá ligado? Precisamos estar reunidos para a cena acontecer”. Na movimentação da cena, além de lançarem suas tags, é comum os pixadores da UPS pixarem “Crail Vive”, como forma de homenagem à um dos fundadores da UPS que faleceu, Crail, que embora morto continua a ser um membro importante de “UsPsicopataS”.
Mas para ser um pixador é mais do que só colocar seu nome, é preciso a curiosidade ser
despertada e através dela sentir como quase um chamado. Para Elfo, pixador e amigo de
participantes da crew, o chamado foi quando “Eu vi o nome deles lá em cima e me perguntava
como eles subiam e faziam isso. Eu dizia que um dia faria igual eles”. Já para participar da UPS é necessário também demonstrar atitude, ter uma boa convivência com a crew e uma
concordância com todos os membros para permitir que alguém novo possa entrar.
Em memória: Crail Vive

“A pixação é uma válvula de escape” (Crail)
Hoje em dia a UPS é uma crew que continua crescendo e completa seus 10 anos e os membros
demonstram muita gratidão a um dos fundadores que veio a óbito: Crail.
Chorão: "Todo mundo teve uma vivência com o mano e ele era surreal, é uma parada que chega
até se emocionar. Até então eu estava começando a viver a cena, mas ele sabia como chegar lá e que tinha que passar por quarteirão todo. Ele tinha uma mente totalmente evoluída na pixação de Campina Grande, estava a todo vapor. Ele é uma das peças chaves pra eu tá tocando o barco.
Pra mim, o boy era transparência geral se dizia que fechava ele fechava muito. Ele era um boy
que fechava de verdade contigo, porque gostava de tu".
Muskitto: "Crail pra mim foi um irmão, a gente cresceu junto. Pro pixo, ele foi uma inspiração, foi
ele que me incentivou a pixar. Pra cena? Ele era inovador, ele mostrou que não é porque você
começou agora que não é capaz de fazer coisas que o pessoal demorou 10 anos pra fazer".
“O boy era foda e a gente está dando continuidade a história dele”, (Chorão)

O pixo é mais do que uma forma de expressão; é lazer, terapia e protesto. Crail entendia isso
profundamente. Eternizado nas ruas de Campina Grande e outras cidades, seu legado é
inseparável da história da UPS. Com feitos marcantes, como o ato ousado de pixar o interior do Hospital da Clipsi, ele deixou uma marca tão impactante que o hospital implementou novas regras, exigindo exames ou permissão para entrada. Crail permanece vivo na memória dos membros e amigos da UPS, dos mais antigos aos mais novos, todos conhecem sua história. Seu impacto transcende o tempo. Crail vive.
"O lance é esse, tem gente que vai apoiar e outros não, a gente é o pixo, UspsicoptaS, prontos para incomodar e apoiar quem é contra o sistema." (Chorão)
EXPEDIENTE:
Fotografia e reportagem: Andrei Oliveira e Marcele Saraiva
Supervisão Editorial: Rostand Melo
Parabéns pela pauta!