Com ações e iniciativas por todo o país, o objetivo é romper o silêncio, fortalecer redes de apoio e promover a prevenção e enfrentamento do abuso sexual infantil.
No mês de maio, uma cor ganha destaque especial: o laranja. É nesse período que a campanha "Maio Laranja" toma forma, levantando a bandeira contra a violência infantil. Com ações e iniciativas por todo o país, o objetivo é conscientizar a sociedade sobre a importância de romper o silêncio, fortalecer redes de apoio e promover a prevenção e enfrentamento de crimes contra a criança e o adolescente.
Em 18 de maio de 1973, uma menina de oito anos, identificada como Araceli, foi sequestrada, drogada, violentada sexualmente e assassinada em Vitória (ES). Em 1991, os três réus acusados de executar a menina foram presos, mas apresentaram defesa, foram absolvidos e o crime permanece impune até hoje. Como forma de protesto e luta, o Maio Laranja surgiu como resultado de uma ação conjunta entre organizações não governamentais, governos, entidades de proteção à infância e sociedade civil. Com a aprovação da lei 9.970/2000, o dia da morte da menina Araceli foi instituído como dia oficial laranja e tornou-se oficial em todo território nacional.
O laranja foi escolhido como símbolo dessa campanha por representar a garantia do desenvolvimento sexual saudável, sem violências, sendo um compromisso de toda a população.
A lei, contudo, trouxe luz a um problema que estava oculto entre quatro paredes dos lares brasileiros e na inocência das crianças que se viam desprotegidas e não conseguiam identificar de forma clara o problema da violência sexual.
Conforme dados do anuário brasileiro de segurança pública de 2023, 76,5% dos casos de violência sexual ocorrem dentro da residência da própria vítima.
O tema foi abordado pela mídia, passou a ser discutido em sala de aula, se tornou tema de palestras e de rodas de conversas e repercute socialmente a dura realidade da proximidade entre vítima e agressor.
O abuso infantil é uma realidade triste e alarmante em todo o mundo. Estatísticas revelam que milhões de crianças são vítimas de violência física, abuso sexual, negligência e exploração a cada ano. Um problema que transcende barreiras sociais, econômicas e culturais, afetando crianças de todos os contextos.
O Instituto Baluarte, tendo em vista o seu trabalho com crianças carentes da comunidade, decidiu trabalhar o tema maio laranja, discutido pela pedagoga Deborah Avelino. Segundo ela, como as crianças são de uma comunidade carente, ficam suscetíveis a serem enganadas e caírem na conversa do abusador. Ela então orienta a terem cuidado se alguém oferecer doce, presentes ou dinheiro solicitando algo em troca.
A pedagoga ainda nos reitera sobre como orienta seus alunos para identificar situações de abuso e a produção de conteúdo para ministrar suas aulas “O tema maio laranja é trabalhado com conteúdo diferentes que atendem a cada faixa etária diferente das crianças. Atendemos crianças de três a 14 anos. Essas crianças veem na Baluarte um refúgio, onde têm a segurança de contar com a proteção das tias para relatar qualquer abuso contra elas. Promovemos ações como palestras, como a de Janiklessya, psicóloga especialista no assunto. Ela criou com as crianças o semáforo do toque e deixou mais claro esse tema para elas. As mães também foram assistidas e orientadas para ficarem mais atentas ao que os filhos desejam transmitir para elas, com olhar, expressão. Se a criança demostra grande sensibilidade a dor, se tem aversão a pessoas com quem já teve contato, é necessário aumentar o alerta", explica.
A psicóloga aponta que há diversas razões para que crianças e adolescentes silenciem a violência sexual. Uma das razões é que não há muitas instruções. “Ainda há pessoas que não sabem o que é abuso. Dessa forma, quanto mais nos familiarizamos com este tema, mais facilmente podemos lidar com ele. Quanto mais se fala do tema, dando a devida relevância, mais ajudamos a prevenir, enfrentar e combater”. Adverte ela. Sem informação, a conversa sobre o tema acabe esbarrando nos obstáculos da vergonha e do tabu social:
A violência sexual ainda é considerada um tema tabu na sociedade brasileira e as denúncias ainda são reduzidas. Precisamos desvendar esse tema, trazendo luz e evitando que o silêncio de sofrimento persista.
A cada hora, 3 crianças são abusadas no Brasil. Os números mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no território brasileiro. Os estupros têm se tornado frequentes, o que torna urgente discutir esse tema. De acordo com os dados do panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes do Brasil, em todas as faixas etárias, a maioria das vítimas é do sexo feminino. Acompanhe o gráfico:
A idade da vítima aumenta a probabilidade de ser menina. Os principais abusadores não são estranhos. Eles convivem com as crianças ou têm livre acesso a elas, sendo, geralmente, de confiança da família. É comum usarem a questão da confiança para se aproximar sem levantar suspeitas, o que, às vezes, não é percebido. Pela proximidade e por serem até admirados pelas crianças ou pelos familiares, estabelecem com elas uma relação de poder.
Uma mulher de 48 anos, que não quis se identificar, afirma ter sido vítima do próprio pai, na adolescência. "Perdi minha mãe quando era nova, meu pai que ficou cuidando da gente, ele sempre foi agressivo comigo e com meus irmãos. Percebia atitudes estranhas dele. Sempre olhava de uma forma estranha para mim e para uma das minhas irmãs. Nunca houve uma ação concreta, pois fui embora cedo quando ele tentou-me tocar. Em uma noite, acordei assustada com ele tentando me tocar. Isso ocorria repetidas vezes, sofríamos vários sustos na madrugada. Como consequência, acabei saindo de casa cedo, tendo que trabalhar numa casa de família para me sustentar".
O apoio psicológico para crianças e adolescentes, que sofrem com o trauma, é indispensável para auxiliar a vítima a lidar com a situação e amenizar as consequências e marcas que se estendem, prejudicando o comportamento e as relações interpessoais.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que assegurar os direitos de crianças e adolescentes é dever de todos: família, estado e sociedade. A lei ainda pune severamente o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Dentre as punições previstas, está o Art. 216-A, que cita o ato de constranger alguém visando obter vantagem ou favorecimento sexual, com pena de detenção, de 1 a 2 ano.
O Art. 241-D. do ECA diz que é proibido atrair, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, crianças para que elas pratiquem atos libidinosos, sob pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa, além de outros artigos.
É importante conhecer a rede de proteção à infância e juventude. A psicóloga Janiklessya Oliveira deixa um alerta sobre como fazer essas denúncias de forma anônima. "A polícia é uma das principais instituições, sobretudo quando identificamos um risco iminente. O aplicativo Proteja Brasil é gratuito e permite que qualquer pessoa se envolva com a proteção de crianças e adolescentes. Além disso, é possível buscar ajuda através dos Centros de Referência de Direitos Humanos e do CREAS. Ainda temos o disque 100, um número de emergência que atende a graves situações de violações. São diversos meios que podem contribuir para a repressão a esse tipo de crime”, ressalta.
A educação sexual é de extrema relevância, assim como as pautas para abordar este tema, nas escolas, creches e residências. Para a psicóloga Janiklessya “é crucial ensinar a criança sobre o seu corpo, o respeito pelo seu corpo e pelo corpo do outro, sobre os lugares que podem e não podem ser tocados. É preciso ter clareza nas informações”.
Para fazer circular ainda mais as informações, o Governo da Paraíba lançou em 2020 uma cartilha educativa para lidar com a violência sexual contra crianças e adolescentes. A iniciativa é desenvolvida em conjunto com a secretária de estado do desenvolvimento humano, além de outras organizações e órgãos que fazem parte da rede de proteção às crianças e adolescentes.
A seguir, disponibilizamos a cartilha para download.
Confira mais fotos no slideshow:
EXPEDIENTE:
Fotografia: Francikelly Flôr, Deborah Melissa, Adrya Vitória e Izomara Magna
Reportagem e Texto: Francikelly Flôr, Luísa Vitória, Deborah Melissa, Adrya Vitória e Izomara Magna
Monitoria: Ester Bezerra
Supervisão editorial: Rostand Melo e Ada Guedes
Comments