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Rafael Araújo

Bruxe: quando a periferia grita através da arte

Atualizado: 15 de nov.

Joana Maria / Foto: Rafael Araújo

Joana Maria, também conhecida como Bruxe, é uma artista de Campina Grande que utiliza sua arte como ferramenta de resistência e ativismo para a comunidade travesti. Nascida no bairro Pedregal, periferia da cidade onde mora até hoje, teve que enfrentar diversos desafios comuns para pessoas trans e travestis em todo o país, como a falta de acesso a oportunidades e acolhimento por parte da sociedade.


Hoje, com apenas 18 anos, tem a venda de suas pinturas como principal fonte de renda para se manter sozinha, mas essa jornada não foi fácil. Joana não conseguiu concluir o ensino médio. Com o tempo e a prática, aprendeu sozinha a usar os materiais e ferramentas que tinha acesso para pintar seus primeiros quadros, ainda em pedaços de madeira, pois não tinha como comprar telas de pintura. Encontrou na arte uma forma de expressar sua revolta.


"Fui pegando um pincel aqui, uma tela ali, uma madeira aqui e também fui achando muitas coisas no lixo para pintar e transformar em arte"

Joana relata que a falta de preparo das instituições de educação foi um ponto chave para que desistisse dos estudos. O preconceito vivido nas escolas que estudou deixou traumas e feridas que levaram à desistência de continuar estudando por esgotamento de sua saúde mental. Um dos episódios marcantes foi a proibição de utilizar o banheiro feminino da escola. 




Sem o caminho da educação para vislumbrar seu futuro e subsistência, a primeira oportunidade de trabalho que cogitou nesse momento de desamparo foi a prostituição, um dos únicos lugares que abraçam travestis marginalizadas por falta de oportunidades. Mas ela seguiu outro caminho.


NASCE BRUXE


Mesmo com as dificuldades em sua formação, o nascimento de Bruxe não deixou de acontecer. Para Joana, Bruxe é sua pessoa artística, que vai usar a arte para extravasar seus sentimentos e cobrar mudanças na sociedade que acabem com a transfobia. Sua arte não se resume apenas a pinturas; ela também pode ser encontrada no grafite, na poesia e na dança.




Ela conta que para construir a sua persona artística também aproveitou as experiências que teve ao conviver com um grupo de amigos do movimento hippie. Esses momentos ajudaram a desmontar a ideia de que sua arte era muito estranha para ser exposta ou comercializada.


"Minhas amigas me mostraram a potência que a rua tem de me escutar e de escutar a minha arte falada, escrita e pintada"

A grafitagem praticada pela artista busca suas raízes de onde nasceu e cresceu: a periferia. O grafite funciona, para ela, como um mensageiro para todos os indivíduos da sociedade, mas principalmente para os opressores que buscam apagar a existência de pessoas trans e travestis. Além disso, pratica a poesia marginal, também conhecida como poesia falada ou Slam, através da qual destaca todos os sofrimentos e usa os versos como grito, reivindicação de direitos como pessoa trans.


DESAFIOS


Para ela, a transfobia é de longe o maior desafio enfrentado todos os dias por limitar os espaços em que pode se fazer presente, seja a sua pessoa ou suas artes. É uma forma de preconceito que se manifesta de diferentes maneiras e é fomentada pelo ódio, intolerância, religião, entre outros fatores. Ela já foi impedida de expor suas artes por serem consideradas muito obscenas, mesmo que as telas contivessem formas que remetem a partes do corpo de maneira puramente artística.


Joana Maria / Foto: Layla Maria

Além da transfobia, Bruxe ainda enfrenta preconceitos relacionados a sua origem periférica, como quando está grafitando e percebe maus olhares e críticas das pessoas que passam pelo local. A artista contou como uma pessoa autorizou a grafitagem em seu muro e depois que a obra estava pronta chamou a polícia alegando que não tinha permitido a pintura. Nesse episódio, Bruxe teve que ir até a delegacia e se sentiu humilhada pelo tratamento que lhe foi dado pelos policiais militares.


Revela ainda como os problemas psicológicos são uma das principais questões que enfrenta como pessoa trans, não decorrendo apenas da sociedade como um todo, mas também do abandono e da falta de amparo da família e até mesmo de amigos. Essa luta diária pela sobrevivência, considerando que o Brasil é um dos países mais violentos para pessoas transgênero no mundo, acaba sendo extremamente desgastante.


A maneira que encontra para superar as barreiras da transfobia e dos outros preconceitos é transformar o ódio que cai sobre o seu corpo e ocupar todos os lugares possíveis através de sua arte. No meio disso tudo, Bruxe quer buscar mais referências e se tornar uma figura de representatividade para outras jovens travestis que passam pelos mesmos desafios.


REDES DE APOIO


Ela faz questão de citar o acolhimento que recebe e renova suas forças para continuar, na comunidade LGBTQIAPN+, através de seus amigos e de outras artistas paraibanas que vê como inspiração. Sthephany, Lua, Flora e Tainha são alguns dos nomes da cena do grafite campinense que inspiram sua arte. A artista revela como existem ambientes normativamente cisgêneros que se mostram opressores e não escutam a voz de pessoas travestis. 



O próprio movimento e cena LGBTQIAPN+ atua como cicatrização das feridas provocadas em Bruxe por locais opressores da sociedade. São nesses movimentos que ela consegue ser amada e respeitada pelo o que é e também demonstrar seu apoio. A artista destaca a importância da cultura ballroom em Campina Grande e como ela a ajudou a superar diversas questões pela expressão através da dança.


FUTURO DE BRUXE


Com mais de 20 mil seguidores em sua conta no Instagram, Bruxe utiliza esse canal como principal meio de renda e divulgação das suas obras, mas relata que não foi um processo fácil para se consolidar na rede social. A artista utiliza a plataforma há anos e teve que aprender técnicas de social media para conquistar a visibilidade que tem hoje. Além de divulgar suas pinturas, a rede também é utilizada para mostrar sua realidade, problemas, felicidades e conquistas por meio de vídeos e fotos. 


Revela ainda ter vontade de concluir os estudos e ingressar no curso superior de artes visuais para se profissionalizar ainda mais no que faz. Ela entende a importância de um diploma, especialmente para uma pessoa travesti, que geralmente precisa se esforçar muito mais do que pessoas cisgênero para alcançar o básico.



Bruxe almeja que sua arte seja bem vista em todos os lugares, que a mídia consiga olhar para o seu rosto e que seja enxergada como mais do que um corpo estranho, ser vista como arte, como uma pessoa maravilhosa e que merece receber amor. Acima de tudo, quer fazer a diferença resistindo ao sistema que todos os dias a maltrata e deixa uma mensagem motivadora para outras que sofrem as mesmas dores.


"Ser um corpo travesti, ser um corpo favelado, ser diferente, ser bonita. O sistema não quer isso. Mas eu digo: Continua querida, seja feliz!"

Confira mais fotos do ensaio:


 
Expediente:

Redação: Rafael Araújo

Revisão e pós-produção: Emilly Lima e Izadora Alexia

Supervisão editorial: Rostand Melo e Ada Guedes

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2 Comments

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Emily Lima
Nov 14
Rated 5 out of 5 stars.

Trabalho incrível que mostra como uma personalidade excêntrica luta diariamente contra um sistema transfóbico que não a quer viva. Viva Joana Maria, Viva Bruxe! Parabéns ao nosso grupo

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Guest
Nov 14
Rated 5 out of 5 stars.

Acompanho o trabalho dela pelo Instagram. Uma potência de arte e de vida.

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