Gabriel Heitor é um artista que revela como a fotografia pode ser uma forma poderosa de comunicação. Natural de Patos, no sertão da Paraíba, Gabriel reside atualmente em Campina Grande e aos 23 anos vem construindo uma trajetória rica em experiências e conhecimento sobre a imagem estática e em movimento.
Formado em Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), ele se divide em diversos campos criativos, incluindo a direção de documentários e ficções em curta-metragem. Além do trabalho como diretor e pesquisador, o jornalista se destaca com sua sensibilidade na fotografia, animação 2D e montagem.
Sua paixão pela fotografia cresceu sob a influência do pai, um fotógrafo experiente que sempre foi uma fonte de inspiração. Gabriel compartilha memórias afetivas da infância, quando aprendeu a capturar imagens e transformou seu talento em uma forma de dar voz a histórias muitas vezes esquecidas, especialmente no sertão da Paraíba.
Para Gabriel, a busca por autenticidade é um princípio fundamental em seu trabalho. Sua relação delicada com a luz e as cores reflete seu profundo compromisso com a narrativa visual e a comunicação social.
Nesta entrevista, percebemos que através de suas lentes, ele não apenas mostra o que vê, mas também convida os espectadores a refletirem sobre a realidade ao seu redor, transformando cada clique em oportunidade única de contar uma nova história.
"Aprendi a aceitar o valor das cores dentro de uma narrativa."
Sabemos que seu pai é uma grande inspiração para você na fotografia. Pode
nos contar sobre uma memória específica sobre essa influência em sua educação.
Quando eu nasci meu pai já era fotógrafo, minha vida toda foi marcada por isso em muitos sentidos. Meu pai muitas vezes se revezava entre fotografar as festas de outras pessoas e comparecer às festas da família. Isso é muito comum para qualquer fotógrafo. Hoje a gente não fotografa mais eventos, mas durante muito tempo foi assim e é uma rotina diferente, principalmente em finais de semana e feriados. São as memórias que eu tenho do meu pai, estão todas relacionadas ao fato dele ser fotógrafo e como isso interferiu na nossa dinâmica.
Alguma técnica ou abordagem na fotografia que você aprendeu diretamente com ele?
Principalmente as noções de uso de flash. Meu pai sempre foi muito chegado a luz de disparo e eu prefiro a luz contínua. Desde sempre eu prefiro a luz contínua, principalmente porque eu também sou um profissional de audiovisual. Porém, é importante saber disparar um flash e tudo mais e muitos dos princípios disso eu realmente aprendi com meu pai.
Como você descreveria sua relação com a fotografia durante a infância e adolescência?
Eu sempre tive contato com câmeras. Tenho fotos, inclusive, com câmeras quando era bebê, mas não era exatamente algo que despertava tanto a minha atenção ali. Acho que porque já passava despercebido. Da minha infância eu tenho bastante fotos. Da adolescência não, porque todo adolescente é um pouquinho esquisito, né? E aí a gente começa a evitar as câmeras. Mas, da infância e de momentos em família eu tenho muitas fotos. E, felizmente, digitalizadas. Essa é uma parte bem legal de ter um fotógrafo na família, você fica com um pedaço da sua vida bem
registrado e isso é muito bom.
Então nesta época fotografava por diversão ou já pensava nisso como uma possível carreira?
Vou falar do audiovisual, que até hoje ainda é o meu principal trabalho. Nunca tive, pelo menos durante a infância, muito interesse em trabalhar com audiovisual, meu pai não trabalha tanto com edição de vídeo e quando eu era criança, era um negócio esquisito pra mim, voltar pro mesmo ponto, sabe? escuta uma vez, escuta de novo. Eu definitivamente não pensava que era algo para mim. Hoje eu faço isso todo dia. Comecei com a parte de edição de vídeo e de animação, depois fui assimilando a parte de design, de fotografia, captação de imagem e áudio. Enfim, depois de um tempo você vai aprendendo a se virar um pouquinho com tudo.
"Em muitos sentidos da palavra, o audiovisual é a possibilidade que você tem de dar voz a pessoas que não tem, e eu não tô nem falando só no sentido social da coisa, de que essas pessoas estão em sofrimento, e se os comunicadores não forem até elas e levar isso para o público, isso vai ficar no desconhecido."
Como percebe hoje as suas primeiras fotos, compara com as de hoje em dia?
É muito diferente por uma questão de repertório, porque você fotografa não só com equipamento e técnica, mas com o seu repertório também, então como eu comecei muito cedo, acho que minha primeira câmera foi aos 13 ou 14 anos, de lá pra cá são 10 anos, meu repertório foi ampliado, algumas coisas que eu achava interessante, eu não acho mais, outras continuam sendo interessantes. Eu sempre gostei muito de preto e branco. Quando eu comecei a fotografar, eu experimentava bastante fotografia em preto e branco, fui aprendendo, principalmente com o audiovisual, a aceitar um pouco mais o valor que as cores têm dentro de uma narrativa, principalmente, porque a maioria dos projetos em audiovisual tendem a ser em cor e um dos meus trabalhos também é a parte de colorimetria. Mas a fotografia em preto e branco ainda me pega bastante, é algo que eu gosto desde o começo e ainda entendo o porquê e o valor que aquilo tem pra mim. Só não pratico mais com a mesma frequência.
Você também falou que as cores têm um valor dentro da narrativa. Vimos isso no documentário Céu e você foi o diretor de fotografia. Nos fale um pouco sobre isso.
Exatamente. As cores do Céu são interessantes porque a gente tinha que encontrar um meio termo em que elas ficassem vivas, em que elas tivessem uma função narrativa, principalmente porque a personagem foi vítima de feminicídio e estávamos documentando aquilo ali, mas não queríamos criar uma estética de true crime, sabe? A gente estava num quilombo no sertão da Paraíba e não tinha a menor razão para não se valer das cores na narrativa. Só que é um documentário, então você não vai sair saturando tudo ali como se pudesse tomar essa decisão arbitrária. E o outro ponto é que falávamos das louceiras lá de Santa Luzia e elas mexem com barro. Em alguns momentos o tom da pele delas se confundia com o do barro. Trabalhar colorimetria nisso aí, é muita paciência, porque nós gravamos num galpão e evitamos ao máximo utilizar alguma iluminação externa, tentamos fazer tudo com luz natural. Porém, o galpão era meio escuro e a pele delas até estava visível, mas o barro não. E aí tinha que clarear o barro sem mexer no tom da pele delas, porque ninguém queria que uma pessoa que é negra ficasse branca num documentário. Então esse é o foco do trabalho, as cores têm um valor muito
especial ali para arte.
Como a sua percepção da fotografia mudou desde a sua infância até agora? O que você aprendeu sobre si mesmo ao longo desse caminho?
A fotografia me ensinou a lidar com pessoas, principalmente trabalhando com retrato. Eu comecei a fotografar retratos justamente quando eu estava no começo da graduação aqui na UEPB, o que facilitou demais o meu processo enquanto comunicador, porque vai fazendo com que você aprenda a lidar com pessoas ali num curto espaço de tempo. O que eu mais aprendi foi realmente a conseguir firmar um laço ali de uma maneira mais rápida com alguém, para conseguir fotografar aquela pessoa e desenrolar todo o processo de um retrato, que é um encontro muito breve em que você tem que entregar alguma coisa. Existem expectativas tanto da sua parte, da parte da equipe, mas também da parte de quem está sendo fotografado. Como a minha experiência com retrato também foi comercial, como era um trabalho, um ofício, de fato, então existia uma relação comercial naquilo ali. Ou seja, além de você entregar o produto para o cliente, você tinha que satisfazê-lo enquanto cliente. Eu acho que isso é bem importante.
O que te fez escolher o curso de jornalismo? A paixão pela fotografia e o audiovisual influenciou ou teve mais algum motivo?
Influenciou 100%. Fui diretamente influenciado por isso porque quando eu entrei na graduação eu já trabalhava com isso. Quando criança eu queria ser veterinário (risos), acho que olhando de hoje não faz muito sentido. Mas desde os 12 ou 13 anos eu tinha decidido cursar comunicação. Meu pai, além de ser fotógrafo, tem uma agência de comunicação e eu já trabalhava há um bom tempo, não só na agência, mas em outros projetos. Quando chegou a época do vestibular, já estava muito claro pra mim que era isso que eu queria. Foi muito mais difícil conciliar trabalhar e estudar na época do que necessariamente decidir o que eu queria fazer.
Ainda como estudante de jornalismo, você acumulou algumas premiações importantes para a sua vida profissional, mas além delas, quais outras portas a UEPB te proporcionou e qual a significado elas tiveram para você?
A UEPB me abriu portas em muitos sentidos, mas principalmente no de conhecer pessoas. A dinâmica da universidade pública faz com que você tenha contato com realidades diferentes e isso é maior do que qualquer coisa que você venha a conquistar. Vai sendo criado o contato com realidades diferentes o que é fundamental para o trabalho de um comunicador. Eu venho de uma cidade bem menor, é um mundinho fechadinho e quando me vi numa cidade maior, convivendo com outras pessoas, as coisas vão acontecendo de uma maneira diferente. Conhecer pessoas envolve também fazer contatos. Tem as que vão para o mercado de trabalho, e quando você vai para o mercado, ter uma boa relação com essas pessoas faz muita diferença. Depois da graduação eu trabalhei com outras que também se formaram aqui, algumas enquanto a gente estava na universidade, outras tinham se formado antes, mas o fato de ter a UEPB em comum facilitou muito a coisa.
Seu primeiro prêmio foi em 2017 no desafio Canon. Poderia nos falar como esse prêmio influenciou ou influencia sua visão na fotografia?
Esse foi curioso (risos), eu não lembrava dele, não vou mentir. Eu achava que tinha sido o do Comunicurtas, porque esse tipo de premiação é bem mais comum assim em audiovisual. Mas eu lembro que na época era um desafio, eles publicaram um desafio por semana e era para fotografar com 50mm, que honestamente nunca foi a minha lente favorita, mas no estúdio a gente tem uma. A foto que eu coloquei para o concurso eu tinha feito uns dois anos antes, experimentando fotografar com baixa velocidade, então é uma foto que eu gosto até hoje. Foi olhar para a minha fotografia como algo que eu sentisse segurança para colocar em um concurso, sabe? Não como algo competitivo de fato, mas nesse sentido.
Você ganhou prêmios tanto regionais como nacionais. Para você, qual foi o mais importante e impactante dos seus 11 prêmios?
Eu não dou muita bola (risos), pra questão dos prêmios, não vou mentir pra vocês. Porque honestamente, é muito complicado você colocar um filme para competir com o outro. É um critério muito subjetivo definir algo e ranquear e hierarquizar, apesar de existirem critérios técnicos e tudo mais. Creio que no meio disso tudo, a função dos festivais é muito mais de promover a democratização do audiovisual para o público do que necessariamente realizar essas premiações. Claro que de certa forma é um reconhecimento pelo seu trabalho e se for para escolher um, acho que o mais legal de ganhar foi o do Expocom Nacional. Foi um projeto que eu fiz com uma amiga e colega de curso, Carol Diógenes. É um trabalho sobre doulas, sobre uma doula, na verdade, em específico. Foi muito especial fazer porque a gente estava no começo do curso, todo problema era muito problema, toda dificuldade era uma grande dificuldade. Eram dificuldades que olhando de hoje, dá para você resolver de boa, mas na época, pelas primeiras experiências, foi algo que deu trabalho pra fazer e foi muito bem reconhecido. A premiação vale nesse sentido, porque é um jeito especial de lembrar de um trabalho que foi feito com carinho, mas também com suor.
“Eu acho que a fotografia me ensinou a lidar com pessoas, principalmente trabalhando com retrato. Eu acho que esse é um processo muito legal que é o retrato, a fotografia de retrato. Acaba trazendo para o retratista, que é. De você aprender a lidar com pessoas.”
A cultura e o ambiente do Sertão da Paraíba influenciaram o seu trabalho?
Com certeza, principalmente por ser a minha razão de trabalhar, o audiovisual é a possibilidade que você tem de dar voz a pessoas que não têm, que estão em sofrimento e se os comunicadores não forem até elas e levar isso para o público, isso vai ficar no desconhecido. Quando você vem de uma realidade que não tem tanto espaço e que tem muitas histórias que as pessoas desconhecem, a possibilidade de dar voz a essas histórias é muito legal. Quando algum projeto seu faz com que uma pessoa, de um sitiozinho, no meio do sertão da Paraíba, se veja numa tela, tal qual ela vê atores, o sentimento que isso causa é grandioso. Então, se for para pensar dessa perspectiva, eu acho que essa é a minha principal motivação.
Quais são os seus próximos projetos no campo da fotografia e no audiovisual? E como pretende expandir seu trabalho nessa área?
Eu tenho participado bastante como montador em outros projetos, no caso projetos de outros diretores. É muito bom porque você lida com narrativas diferentes, para o futuro isso é algo que pretendo manter, mas também tenho interesse em dirigir mais coisas autorais e em dirigir ficção e curta-metragem. Longa-metragem é um trabalho que ainda leva um pouco mais de tempo. Tenho interesse em ensinar audiovisual, principalmente voltado para jornalistas.
Falando da autoria que você mencionou, considerando o sucesso do seu
projeto Faciem, que retrata mulheres de forma honesta, tem planos de desenvolver algo semelhante em outros projetos?
Com fotografia, no momento não, por questões de tempo fica um pouco complicada a logística, porque hoje estou trabalhando quase que em três turnos. Estou tentando atender a muitas demandas, mas isso a longo prazo definitivamente não é saudável para ninguém, mesmo sendo jovem. Então, eu acho que, por enquanto, tenho que ficar um pouquinho mais quieto com a parte de fotografia, mesmo sentindo muita falta de fotografar em retrato. Acho que tem tempo para tudo e no momento eu preciso ficar um pouco quietinho para a parte de fotografia.
Que conselho daria para os futuros fotógrafos que estão começando sua carreira tanto na fotografia quanto no audiovisual?
Que fotografe! (risos). Acho que a pior coisa que um artista pode fazer, um comunicador também, é ficar se poupando de praticar. Sei que existem muitos obstáculos, quando vivemos num país desigual, esses obstáculos vão existindo pela própria natureza, infelizmente. Para quem está entrando ou querendo entrar, o principal conselho seja o de ir fazendo da forma que dá, e tentando aprimorar as coisas, passar pelos obstáculos, mas fazendo. Não é que eu preciso ter tal equipamento para fazer tal coisa, isso vai te limitando criativamente. Muitas das coisas que a gente cria é justamente tentando fazer algo com o equipamento que a gente tem, enquanto não tem aquilo que queria ou que facilitaria a criação. Isso também vai meio que te atrofiando enquanto produtor, enquanto realizador. Quando você tá na atividade você se desenrola muito mais rápido, enfim, você fica mais ágil. Acho que só praticando mesmo você vai desenvolvendo isso.
"Quando algum projeto seu faz com que uma pessoa, sei lá, de um sitiozinho, no meio do sertão da Paraíba, se veja numa tela, tal qual ela vê atores, enfim, toda uma produção de Hollywood, acho que o sentimento que isso causa, ele é muito grandioso. Então, se for para pensar dessa perspectiva, eu acho que é a minha principal motivação."
EXPEDIENTE
Fotografia: Milena Alves, Alessandra Macêdo, Bruno Luiz, Eduardo Filho e Daniela Sobral
Reportagem: Bruno Luiz e Daniela Sobral
Texto: Milena Alves
Monitoria: Bianca Dantas e Cecília Sales
Supervisão editorial: Ada Guedes e Rostand Melo
Parabéns Gabriel! Sinto muito orgulho de você e suas conquistas!
Obrigado pelo carinho comigo e com o meu trabalho! Foi um prazer participar desta entrevista.
Maravilhoso sempre
Adorei!