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  • Victor Silva, Allan Victor, Everson Franklin

Gilvan: a vida além das covas e da morte


Neste momento tão triste, diante desse sol escaldante, aqui estamos nós a enterrar nosso ente querido. Uma vida, uma presença que se vai para nunca mais voltar. Estamos enlutados e marcados para sempre diante dessa situação. Porém de chapéu vermelho e farda de seu ofício - verde e amarela, quase que a farda da seleção brasileira - está um senhor de aproximadamente 50 ou 60 anos de idade... Calma, 50 anos. É essa sua idade mesmo. Com uma pá está jogando a terra sobre o corpo e a história que se vai para sempre.

Se não estamos bem, imagina ele diante daquela situação de choro, grito e desespero. Com o suor escorrendo pelo seu rosto marcado pelo sol forte de cada dia que castiga também seu corpo magro.

De alguma maneira descobri seu nome: Gilvan Silva. Há 20 anos trabalha no Cemitério Municipal de Campina Grande, no bairro Cruzeiro. Já passou também pelo Cemitério do Monte Santo. Educado e humilde no modo de conversar e realizar o sua profissão.

Sempre acorda cedo, dia sim e dia não vai de bicicleta para o ofício que tantos discriminam e não percebem sua “importância”.  Não é "frio", mas dentro de si tem compaixão daqueles que lamentam uma partida.


Trabalhar de seis horas da manhã às seis da noite é sua carga horária. Enterrar em média quatro corpos por dia é sua profissão. Na Rainha da Borborema, o ofício de Gilvan é seu “ganha-pão” para sustentar a família: esposa e oito filhos. Todos moram com o pai e ainda estudam devido a idade. Um salário mínimo e outros “agradinhos” extras que recebe de pessoas que entendem sua dificuldade da vida.   


Originário de Natal-RN, ainda tem boa parte de seus familiares lá no estado vizinho. Em determinados sepultamentos ainda fica apreensivo, amedrontado, triste e tenso. Além de toda a situação de choro e sofrimento, às vezes o matador vem ao pé da sepultura conferir se de fato o trabalho foi finalizado. Quem é coveiro, “profissional da morte”, em determinadas circunstâncias fica no meio de uma luta, pior que a luta que enfrenta ao cobrir de terra aqueles que um dia pisavam sobre ela. 



Chegando em casa, com o sentimento de dever cumprido, encontra seus filhos e esposa que não veem nada demais no trabalho. Um serviço igual a outro qualquer. Seus vizinhos também não julgam de mal sua ocupação. Acredita que poucas pessoas têm preconceito, e sim um receio, superstição com a morte.

Cuida sempre com muito zelo de seu picareta, como o músico trata seu instrumento ou o motorista profissional seu veículo. Afinal, não poderia ser diferente já que é ferramenta de trabalho. 


“Nunca, graças a Deus” - disse Gilvan - pegou nenhuma bactéria ou alguma doença durante tantos trabalhando num ambiente insalubre, e sem a devida proteção. A única doença que o acomete é uma gripezinha ou as constantes dores na coluna por causa da mal-posição da “lida diária”.

Não demostra ter conhecimento sobre as taxas de insalubridade que deveria receber ou simplesmente não briga por elas. Divide ainda com colegas as botas, luvas, objetos de uso individual, e ver que infelizmente é assim, mostrando-se como um pouco descrente sobre a possibilidade da mudança dessa realidade. “Mas agora, graças a Deus, está ok”, declara.

Um "cara" batalhador, com o seu modo de falar simples de palavras comuns. A cada afirmação sempre evoca o nome de Deus e rende graças a Ele. Talvez seja esse o motivo de lidar tão bem com a vida e se comportar com naturalidade diante do luto e lágrimas. Não é frio, mas dentro de si tem compaixão daqueles que lamentam uma partida. Um homem que lá no cemitério do Cruzeiro não influencia em muita coisa na vida das pessoas, a menos que elas morram.


Confira mais fotos no slide-show a seguir daquele que, antes de tudo, é um ser humano, além de seu trabalho:

FICHA TÉCNICA:


Texto e edição: Victor Emmanuel.

Monitoria: Mayara Bezerra.

Supervisão editorial: Rostand Melo.

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