top of page

Da evangelização à ação social: conheça a história de Adeilza

  • Foto do escritor: Coletivo F8
    Coletivo F8
  • há 17 horas
  • 9 min de leitura

Foto; Paloma
Foto; Paloma

Natural de Campina Grande, na Paraíba, Adeilza Santos tem 56 anos, é formada em Serviço Social pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) e concilia esta atividade profissional com a de empreendedora. Mãe dedicada de três filhos e evangélica atuante, ela tem se destacado pelo seu compromisso com a evangelização e o trabalho social.

 

Desde 2010, ela se dedica aos projetos Esperança e Vida, Pão da Vida e ao Projeto Dorcas — ações que visam acolher, alimentar e promover dignidade à pessoas em situação de vulnerabilidade. Com sensibilidade e coragem, Adeilza faz do seu trabalho um verdadeiro ministério, alcançando vidas e semeando a solidariedade por onde passa.


Nesta entrevista ela nos conta como teve início o seu trabalho de ação social junto a igreja e como tais ações se tornaram parte da sua vida como um chamado, uma missão, um verdadeiro ministério social.




Foto; Beatriz Morais
Foto; Beatriz Morais


 

Quem é Adeilza Santos? Como você se descreveria?

Como uma mulher simples, de poucas palavras, mas de muita atitude. Sou casada, mãe de três filhos, avó de três netas e serva do Deus Altíssimo. Essa é minha maior identidade: servir a Deus. Também sou empresária e formada em Serviço Social pela Unopar.

 

Onde você nasceu e cresceu? Quais lembranças da sua infância marcaram sua trajetória?

Nasci no bairro de Santa Rosa, em Campina Grande, na Rua Peru. Minha infância foi maravilhosa, diferente de hoje, quando as crianças não brincam tanto nas ruas. Lembro-me com carinho dessa época em que passávamos horas brincando ao ar livre. Também tenho lembranças especiais das vi- sitas ao sítio perto de Esperança, onde passava momentos incríveis com minha mãe e minha família. Essas são memórias muito presentes na minha vida.


Como foi sua formação pessoal e profissional?

Fui criada em um lar evangélico, o que considero o maior ensinamento que recebi e carrego com or- gulho. Casei muito cedo, aos 17 anos, e tive três filhos. Durante esse período parei de estudar para me dedicar ao meu lar, pois não conseguia conciliar os estudos com a família. No entanto, aos 42 anos, decidi retomar minha formação, sempre tive esse desejo dentro de mim. Foi então que in- gressei na faculdade e concluí meu curso.

 

Quais desafios enfrentou como mulher ao longo da sua trajetória?

Se eu disser que enfrentei muitos desafios estaria mentindo. Meu esposo sempre foi muito compreensivo e nunca me impediu de seguir meus sonhos. Meu pai também tinha muito orgulho de mim e sempre quis ter uma filha formada. Infelizmente, ele não pôde estar presente na minha formatura, mas saber que realizei esse desejo dele me traz muita satisfação. Além disso, não enfrentei desafios financeiros nem falta de incentivo para estudar. Esses projetos surgem no seio da igreja.


Fale um pouco sobre o vínculo entre a religião e o alcance junto às pessoas auxiliadas pelo projeto.

A própria Bíblia nos ensina que devemos amar o próximo como a nós mesmos. Todo o bem que desejamos para nós, devemos também dedicar ao outro, é um princípio bíblico. Toda pessoa que se diz cristã e conhece a Palavra de Deus deve ter o objetivo de ajudar. A gente não faz boas obras para ser salvo, a gente faz boas obras porque já foi salvo, porque conhecemos a verdade e desejamos transmiti-la através das nossas ações.


ree

Como diz o ditado, “A união faz a força” e “uma andorinha só não faz verão”. Sozinha eu não consigo, mas quando consigo reunir pessoas com o mesmo propósito a gente vai longe.

Como foi o começo do seu envolvimento com projetos sociais?

A primeira vez que me envolvi com um projeto social foi durante um culto, quando ouvi um irmão falando sobre a arrecadação de feiras para os obreiros, pessoas de outras cidades. Aquilo despertou em mim uma curiosidade, uma vontade de entender melhor aquele trabalho. Procurei uma colega e disse: “Quero ser voluntária”. Havia dentro de mim o desejo de ajudar o próximo.

 

Você enfrentou dificuldades para começar? Como lidou com elas?

Não enfrentei dificuldades, sempre tive apoio na igreja e na minha família. Meu esposo é totalmente compreensivo, me apoia. Sempre tive liberdade e incentivo, tanto em casa quanto na igreja.


Alguma história te marcou profundamente e reforçou seu propósito de continuar ajudando?

Sim, lembro de uma experiência muito marcante em um sítio chamado Serraria, em Salgadinho. Fomos lá evangelizar, mas o pastor do local nos disse: “aqui tem uma senhora que vive trancada em casa” e aquilo me despertou a curiosidade, perguntei por quê e ele explicou que o filho dela não deixava ninguém vê-la. Fui conversar com o filho, pedi com jeitinho para ele permitir nossa visita. Ele relutou e chegou a dizer: “mas ela está fedendo” e eu respondi: “a gente não está aqui por isso”. Conseguimos entrar, o estado da senhora era deplorável. Ela vivia em total abandono e sujeira. Foi muito triste ver aquilo, mas também foi ali que algo dentro de mim se acendeu ainda mais. O filho dela morava na casa ao lado, mas não cuidava dela. Depois, fui falar com a esposa dele e disse: “a senhora está negligenciando essa mulher”. E veja, naquela época eu nem pensava em me formar em Serviço Social, mas já havia dentro de mim essa vontade de mudar a realidade das pessoas. Nos mobilizamos, voltamos ao local, reformamos a casa dela, limpamos tudo, trocamos as roupas, cuidamos dela com dignidade. Só paramos quando a sepultamos, ela tinha mais de 80 anos. Isso marcou minha vida profundamente. Percebi que existem muitas pessoas como ela e se eu posso fazer algo, por que não fazer?


Quais foram os maiores desafios ao longo da sua caminhada no trabalho social? Já pensou em desistir? O que te motivou a continuar?

O maior desafio que encontro é achar pessoas que tenham o mesmo chamado, que pensem da mesma forma e que queiram realmente fazer a diferença na sociedade. A partir do momento em que você encontra essas pessoas, você ganha mão de obra, ganha força para seguir em frente. Como diz o ditado: “A união faz a força” e “uma andorinha só não faz verão”. Sozinha eu não consigo, mas quando consigo reunir pessoas com o mesmo propósito a gente vai longe.



Já pensou em desistir? O que te motivou a continuar?

Já pensei, sim. Como ser humano, a gente tem momentos de fraqueza. Às vezes, recebemos muitas críticas e geralmente, de quem não faz nada, mas se incomoda ao ver você fazendo. Aí você desanima, se cala, chora no seu cantinho, mas depois, a chama acesa dentro de você fala mais alto. Saber que tem alguém precisando me faz levantar e voltar a fazer e ainda melhor do que antes.


Como enxerga o papel da mulher no voluntariado e em ações sociais? Já sofreu preconceito ou resistência por ser mulher?

Eu me espelho muito na mulher da Bíblia chamada Dorcas. Ela viveu numa cidade onde cuidava de uma comunidade de mulheres e isso já mostra que, desde o tempo de Jesus, as mulheres se dedicavam a esse tipo de obra. Vejo que o papel da mulher no voluntariado é essencial. Se ao invés de ficar em casa chorando, reclamando das dificuldades, cada mulher se dedicasse a ajudar outras que passam pelas mesmas situações, faria toda a diferença no mundo. Não só a mulher, claro, o homem também deve participar. Se isso acontecesse, iríamos muito mais longe.

 

Quais projetos você participa atualmente? Poderia falar um pouco sobre cada um?


Atualmente, sou coordenadora da ação social da Igreja Assembléia de Deus, em Campina Grande e nós desenvolvemos quatro projetos sociais: 1. Pão da Vida, que é um projeto voltado para pessoas em situação de rua. Saímos pelas ruas de Campina Grande a cada 15 dias acolhendo essas pessoas, mostrando que, se quiserem, é possível mudar de vida. Nós vamos ao encontro de quem está abandonado ou até mesmo escolheu estar nas ruas, levando uma palavra de esperança e apoio; 2. Esperança e Vida, um projeto acontece nas comunidades mais carentes. Passamos uma tarde inteira levando diversos serviços sociais: corte de cabelo, aferição de pressão, brincadeiras com as crianças, distribuição de cestas básicas; 3. Projeto Dorcas, esse mexe muito com meu coração, pois é um projeto que Deus nos deu em 2017 e é voltado para mulheres. Através do artesanato, ensinamos uma profissão e oferecemos acolhimento. Atualmente, temos cinco polos em Campina Grande, nos bairros do Pedregal, das Cidades, Sonho Meu, Cruzeiro e Rosa Cruz. Recebemos todo tipo de mulher: com saúde, com problemas mentais, depressivas. Nosso objetivo é que elas conheçam Jesus, mas também que descubram que são capazes, que podem fazer algo diferente; e 4. SOS Obreiro, voltado para ajudar pessoas de outras cidades que vêm a Campina Grande participar de cultos e eventos. Distribuímos mensalmente 126 cestas básicas para essas pessoas que já são cadastradas no projeto.


Foto; Beatriz Morais
Foto; Beatriz Morais


Como é o seu papel nesses projetos? Quais atividades você desempenha?

Eu sou de tudo um pouco, sou coordenadora, mas também atuo nas práticas. Quando falta professora no projeto Dorcas eu aprendo alguma coisa e ensino para as alunas. Sou aquela pessoa que escuta, que acolhe, mesmo sem ser psicóloga. Estou sempre envolvida diretamente, ajudando, orientando e buscando levar outras pessoas a participarem. Ninguém é insubstituível e meu maior desejo é que esses projetos continuem, mesmo que um dia eu não esteja mais à frente.


Qual impacto já percebeu na vida das pessoas beneficiadas?

Já vimos muitos impactos, tanto financeiros quanto espirituais. Muitas mulheres do Projeto Dorcas hoje têm seus próprios negócios com o artesanato que aprenderam lá. Também vemos mudanças emocionais e espirituais. Já houve casos de tentativa de suicídio, como no Pedregal, onde uma mulher, ao lembrar do que sempre falamos no projeto desistiu de tirar a própria vida. Tem pessoas que estavam depressivas, não saíam de casa, e que hoje têm prazer em viver. Muitas delas, inclusive, se tornaram professoras dentro do projeto.


Foto; Beatriz Morais
Foto; Beatriz Morais


Existe alguma história de transformação que te marcou nesses projetos?

Sim, uma das mais marcantes foi de uma mulher do primeiro polo, no Pedregal. Separado do esposo, tinha cinco filhos e, em um momento difícil, engravidou de outro homem. Sentiu vergonha de contar à família e tentou suicídio com chumbinho. Na hora ela lembrou das nossas palavras: que a morte não resolve nada, que sempre há esperança. Quando estava prestes a ingerir o veneno, um vento soprou e derrubou o frasco. Fizemos o chá de bebê dela, acompanhamos tudo. Hoje o filho dela tem 7 anos, ela está casada novamente, feliz e os filhos estão todos criados. Isso mostra que, de alguma forma, nossas palavras, atitudes e ações realmente fazem a diferença na vida das pessoas.



Já teve algum contexto em que a pessoa que vocês estavam tentando ajudar resistiu ou se incomodou por pensar que vocês estavam impondo uma religião?

Nunca impomos religião. Qualquer pessoa pode participar do Projeto Dorcas, católicas, espíritas, umbandistas, nós acolhemos a todos. Durante os encontros falamos de Deus, fazemos oração, cantamos louvores e damos espaço para as pessoas se expressarem com liberdade. Nós convidamos, se a pessoa quiser ir, será bem recebida. Nosso objetivo é ajudar, ensinar uma profissão, mostrar que há esperança, no fim, sempre tem um lanche, um momento de partilha e muito carinho.


Como as pessoas podem contribuir ou se envolver?

Eu não gosto de pedir contribuições financeiras. O que eu faço é contar a história do projeto, incentivar as pessoas pelo que ele representa e deixá-las à vontade para contribuir se desejarem. Para se envolver, é preciso sentir. Você está se doando e hoje em dia quase ninguém quer se doar. Está tão difícil encontrar voluntários. O que precisamos é mostrar que o mundo precisa de ajuda, que as pessoas precisam e deixar que cada um se conscientize e venha até nós por vontade própria.


Foto; Paloma
Foto; Paloma


Você já fez missões com esses projetos em outros países? Poderia nos contar sobre isso?

Já sim. Fomos ao Peru, ao Paraguai e a Maracanã, no Pará. No caso do Pará, fomos para uma base missionária. A intenção era fazer um intercâmbio missionário. Como eu disse, só entende quem sente  nós sentimos. A chama arde dentro da gente. Tivemos esse desejo de conhecer outras realidades e Deus nos deu a oportunidade. É uma realidade muito diferente. A gente se sente limitada por estar fora do nosso país. Contribuímos pouco, porque em outro país é ainda mais difícil atuar. Já é difícil fazer algo no nosso país, imagine fora. Enfrentamos barreiras culturais, linguísticas... tudo fica mais complicado.


Conte-nos alguma história que marcou o seu coração nessas viagens.

Teve uma situação muito marcante. Estávamos no Paraguai, indo até Assunção, pegamos uma van para chegar até lá, mas no meio do caminho a van quebrou. O motor pegou fogo e ficou tudo cheio de fumaça. A gente não sabia o porquê. Mas como cristãos, a gente sabe que tudo tem um propósito. Paramos no meio da estrada, numa BR. Eu fiquei preocupada e disse: “Meu Deus, vamos ficar aqui na BR?”. O pastor estava com a gente. De repente, surgiu uma mulher que nos olhou e disse: “foi Deus que parou vocês aqui, venham visitar a gente, faz sete dias que minha filha não toma banho, está trancada dentro do quarto.” A gente foi até lá, conversou com ela, oramos com ela. Enquanto consertavam o carro essa menina tomou banho, se alimentou e depois foi até a pista com a gente, ficou conversando. São essas histórias que marcam nossa vida. No momento a gente não entende o porquê da situação, mas depois, Deus vai mostrando o propósito de tudo. Eu falo sempre: “como eu amo isso”.


Se pudesse deixar uma mensagem para quem está lendo esta matéria, qual seria?

Eu diria: o amor ainda vale a pena. Vivemos em uma sociedade tão banalizada, onde o ser humano perdeu valor. Pai mata filho, uma discussão no trânsito acaba em morte. Mas eu digo: ame as pessoas, se coloque no lugar delas. Ame as pessoas. Acredite que cada uma tem jeito, que o amor transforma, e lembre-se: tudo o que é feito com simplicidade tem valor. Às vezes queremos fazer algo tão grande só pra dizer que foi um grande evento. Quando fazemos algo simples, muitas vezes ninguém percebe, mas Deus vê e muitas vezes é isso que transforma vidas.




EXPEDIENTE

Fotografia e Reportagem ; Beatriz Morais e Paloma de Souza

Supervisor editorial; Rostand Melo e Ada Guedes


Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page