Desafios e avanços na educação de crianças neuroatípicas
- svinicius1
- 31 de mar.
- 5 min de leitura

Neurodiversidade é um termo criado pela socióloga Judy Singer para descrever um grupo de pessoas com composições neurológicas consideradas diferentes, como: transtornos psicológicos como TEA (Transtorno do Espectro Autista), TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com hiperatividade) e TOD (Transtorno Opositor e Desafiador), para citar os mais conhecidos.
São transtornos cada vez mais comuns tendo em vista o avanço nas condições de diagnósticos. A partir de 2013, a revisão dos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) forneceu diretrizes mais claras e específicas para os profissionais avaliarem e diagnosticarem TEA e TDAH. Os critérios diagnósticos para esses neurotípicos eram mais restritos, concentrando-se em comportamentos observáveis específicos, o que foi ampliado.
Segundo dados do Censo de Educação Básica entre os anos de 2022 e 2023, o número de crianças neurodivergentes em escolas normais cresceu mais de 50%. Já no que se refere ao TDAH, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a condição afete entre 5% e 7% das crianças, em idade escolar.

Diante de tal cenário, instâncias como família, escola, comunidade científica e sociedade em geral precisam conhecer, se adaptar e estarem preparadas para lidar com o crescente número de diagnósticos, que vale salientar, não tem ocorrido somente para crianças e adolescentes, mas também vem sendo feito na idade adulta dos sujeitos.
A sociedade precisa entender o que perpassa a vidas dessas pessoas para lidar de forma acertada e sem preconceitos. Nesse sentido, para as escolas, os desafios são significativos e muito se tem avançado, mas ainda há muito o que ser trabalhado e melhorado, enquanto no âmbito familiar, a figura da mãe acaba sendo a que mais se responsabiliza pelos cuidados e desenvolvimento dos filhos.

Profissionais da Educação e Família: Parceria necessária para o Sucesso Terapeutico
Atualmente as escolas são proibidas por lei de recusar crianças atípicas em suas instituições, mas isso ainda não garante que haverá um bom acolhimento dessas crianças. A professora campinense Glória Maria, afirma que aos poucos esse cenário tem mudado e que os profissionais estão em processo de se adaptar a essa nova rotina de ensino com crianças neuroatipicas.
“Como educadora eu mudei com as crianças. Agora eu tenho uma camada ampla de experiência com relação aos profissionais da educação que sabem lidar com pessoas com TDAH. Alguns ainda não conseguem já que as coisas são muito recentes, mas hoje em dia os cursos de ensino se tornaram muito mais abrangente e um pouco mais inclusivo.”
A região Nordeste, tem o menor percentual entre as cinco regiões brasileiras. Apenas 3,7% dos professores regentes possuem formação continuada sobre Educação Especial. De acordo com Bruno Gomes, professor e estudante de pedagogia em Campina Grande, existem pontos que ainda precisam ser evoluídos quando se trata de inclusão.
“Com certeza ainda há muito no que avançar. Os projetos de formação continuada para professores em sua maioria não buscam um aprofundamento para os alunos neurodivergentes. Também precisa de qualificação ofertada na parte da escola para os Assistentes Terapêuticos ou Educadores sociais para uma melhor mediação com os alunos”, afirmou o professor.
Mesmo com essas dificuldades, Bruno deixa claro que com certeza as conquistas vencidas dos seus alunos são sua maior satisfação: “por mais que pra quem vê de fora, ache "simples", mas só quem está na sala de aula com aquele aluno sabe como aquilo é uma vitória para ele.”
Ligia Domingos, assistente terapêutica concorda e afirma: “a maior alegria de um terapeuta é ver o desenvolvimento de um aprendiz, se há ganho mesmo que um mínimo possível, mas quando a família, a escola e os terapeutas percebem melhoras no desenvolvimento é uma satisfação muito grande.”

A Importância da Família como Centro de Acolhimento e Cuidado, com ênfase na mãe
É fato que não cabe às escolas todo o trabalho resultante no desenvolvimento de crianças e adolescentes neurodivergentes. Estas instituições devem acolher e estarem preparadas para o trabalho educativo, mas este é um fazer compartilhado com a família. A esta cabe os cuidados e responsabilidade com as terapias e acompanhamentos necessários.
“A família é muito importante, é preciso ter um papel muito colaborativo entre família, terapia e escola, quando se tem esse trabalho em conjunto essa comunicação, essa parceria o trabalho tem um êxito bem melhor, enquanto a família estiver por dentro, cooperando e buscando terapia se necessário”, diz Ligia.
Contudo, uma realidade apreendida em nossa reportagem é como tal responsabilidade recai significativamente para a mãe. De acordo com pesquisa realizada pela Genial Care, startup da América Latina que atua no tratamento de crianças com autismo, 86% dos responsáveis pelo cuidado de crianças autistas são as mães. Os pais ocupam um lugar coadjuvante neste cenário, representando apenas 10% das respostas.

Na prática, essas mães acabam se sobrecarregando, e por vezes precisam de apoio familiar, psicológico e social. Para Niedja Carvalho de Almeida, mãe de criança com TDAH, “não há preparação psicológica é um tratamento e trabalho em conjunto, mas normalmente quem faz isso é a mãe e no caso da mãe também precisa de um tratamento porque normalmente acaba perdendo a cabeça”.
De acordo com reportagem da Folha de São Paulo, de 31 de março de 2024, “as taxas de depressão maternas eram altas, enquanto 50% de mães de crianças com autismo apresentavam níveis elevados de sintomas depressivos, esse número estava entre 6% e 13% para mães cujos filhos não tinham autismo”.
É importante que as pessoas saibam que a Lei 13.370/2016 incorporou os princípios da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e modificou o artigo 98 da Lei 8.112/90, estabelecendo, assim, a possibilidade de redução da carga horária diária de trabalho do responsável por crianças neuroatípicas, em decorrência da necessidade do menor, sem prejuízo dos vencimentos.
A lei assegura que pais de pessoas autistas podem ter até 25% da carga horária de trabalho reduzida para acompanhar os filhos nas atividades diárias.
Vale salientar que esta não é a única lei que assegura direitos para pais e responsáveis de neurodivergentes e nem sempre as pessoas têm conhecimento disso. Damiana Carlos dos Santos, por exemplo, mãe de criança com TEA que só tomou conhecimento de seus direitos no momento da entrevista, conta que começou a trabalhar justamente pelas demandas e gastos com filho e afirmou que irá procurar seus direitos.
“Tem que se adaptar ao mundo dele, comecei a trabalhar pois ele tem seletividade alimentar e os custos com alimentação e medicamentos são altos”, afirmou Damiana.
É de se esperar que nenhuma mãe esteja preparada para um diagnóstico repentino, Niedja diz que após descobrir o TDAH com transtorno de ansiedade do filho não é mais a mesma.

“Eu acho que não tem ambiente preparado para isso e mudou minha vida. Precisei tentar mudar ao máximo 90% de mim pra poder agir em cima da divergência dele. É difícil, mas é trabalho de formiguinha todo dia a gente tem que fazer um pouquinho e tentar fazer o melhor”.
A jornada diária de uma mãe de um filho neuroatipico é repleta de desafios emocionais e práticos, enfrentando um mundo muitas vezes preconceituoso. Equilibrar suas próprias necessidades com as de seu filho é uma luta constante. No entanto, sua dedicação e amor demonstram a importância do apoio e da compreensão em nossa sociedade para facilitar a vida das crianças neurodivergentes.

EXPEDIENTE
Fotografia e reportagem: Eduarda Gomes, Vinicius Alves, Yure Fontinelli e Paulo Vitor Lima
Redação: Eduarda Gomes e João Pedro Melo
Monitoria: Hellen Mayara e Maria Clara Santos
Supervisão editorial: Rostand Melo e Ada Guedes
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