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Entre o algoritmo e a autenticidade: uma face da vida de influenciador

  • Foto do escritor: Coletivo F8
    Coletivo F8
  • 21 de mar. de 2020
  • 5 min de leitura

Foto: Isabelle Barbosa
Foto: Isabelle Barbosa

Nos últimos anos, o Brasil se consolidou como referência internacional quando o assunto é influenciadores digitais. De acordo com dados publicados em reportagem da Revista Veja, o país ocupa o primeiro lugar em número de influenciadores no Instagram. Estima-se que existam cerca de 2 milhões de criadores de conteúdo atuando na plataforma, sendo que 500 mil deles o fazem de maneira profissional.


Em um cenário ainda mais amplo, o Brasil aparece como o segundo maior mercado de influenciadores do mundo, com 10,5 milhões de contas com mais de mil seguidores, atrás apenas dos Estados Unidos. Essa realidade revela mais do que uma tendência de mercado: indica uma transformação cultural profunda, onde produzir conteúdo e “influenciar” tornou-se sinônimo de profissão, especialmente entre os jovens. O celular virou ferramenta de trabalho, o quarto virou estúdio, e a imagem pessoal passou a ser capitalizada.


Em um país marcado por desigualdades, as redes sociais oferecem uma promessa de ascensão rápida: visibilidade, contratos, reconhecimento e, para alguns, até estabilidade financeira. Mas o que há por trás dessa estética de sucesso? Para entender essa realidade de quem está à frente das telas, mergulhamos nos bastidores da vida de influenciador, ouvindo quem vive essa rotina na pele e especialistas que nos ajudam a entender os impactos desse fenômeno, tanto para quem consome quanto para quem cria.


Lorena tinha sete anos quando ligou a câmera pela primeira vez. Mal sabia escrever, mas já tentava editar seus próprios vídeos no YouTube. O canal não durou muito. “Levei meu primeiro hate e apaguei o canal”, conta rindo. Anos depois, em 2024, um vídeo despretensioso viralizou no TikTok e reacendeu um sonho antigo. “Postei sobre meu término e o vídeo teve mais de 3 milhões de visualizações. Aí, tudo mudou.”


Foto: Isabelle Barbosa
Foto: Isabelle Barbosa

Lorena Pontes é uma entre milhões de jovens brasileiros que encontraram nas redes sociais não apenas uma forma de expressão, mas um caminho profissional. Com 17 anos, natural de Campina Grande e estudante de Publicidade e Propaganda, Lorena é  apaixonada por comunicação e desde cedo começou a trilhar o seu caminho no universo das redes sociais.


A chamada “vida de influenciador” parece sedutora: fama, contratos, recebidos e a ilusão de uma rotina “aesthetic” perfeita. Mas por trás dos filtros, existe cansaço, pressão e desafios emocionais.


Foto: Isabelle Barbosa
Foto: Isabelle Barbosa

Entre o feed e a vida real


Hian Barbosa também começou cedo: “Eu tinha 14 anos, gravava vídeos para o YouTube e fui migrando conforme as redes evoluíam”. Hoje, aos 22 anos com 70 mil seguidores no TikTok, o campinense concilia o trabalho de criador com a função de videomaker. “Já perdi uma conta com 30 mil seguidores e recomecei do zero”, lembra.


Apesar do reconhecimento e das oportunidades, ele confessa: “A gente acaba perdendo o direito de fazer certas coisas, porque todo mundo acha que pode opinar na sua vida”.


Foto: Isabelle Barbosa
Foto: Isabelle Barbosa

A psicóloga Carol Arcenio explica esse fenômeno: “Durante a adolescência e juventude, a construção da identidade ainda está em curso. E quando esse processo acontece diante de milhares de pessoas, a validação externa passa a exercer um peso enorme”. A lógica do engajamento — curtidas, comentários, seguidores — estimula recompensas imediatas no cérebro, mas cobra caro emocionalmente. “Quanto mais tentamos agradar, mais nos afastamos da autenticidade, da nossa própria essência e identidade.”


Lorena sente esse peso:


“Sinto necessidade o tempo inteiro de criar conteúdo, transformar minha vida em algo postável. Isso me sobrecarrega”. Ao mesmo tempo, ela reconhece os ganhos: “Realizei vários sonhos, trabalhei com marcas que sempre quis, tenho uma rede de apoio maravilhosa, que são meus seguidores”.

Foto: Isabelle Barbosa
Foto: Isabelle Barbosa

A sociedade do espetáculo


A socióloga Gilmara Ferreira vê na figura do influenciador digital um espelho da sociedade contemporânea.

Vivemos na lógica da sociedade do espetáculo, onde a imagem vale mais que a experiência. A visibilidade vira capital social, e o influenciador se torna uma mercadoria”. Para ela, há um paradoxo: se por um lado, essas figuras moldam comportamentos e linguagens, por outro, reforçam padrões inalcançáveis de sucesso, beleza e felicidade.

Hian reflete sobre isso e afirma que não há uma imposição direta, mas reconhece que o poder da influência, embora subjetivo, é real. “Ninguém obriga ninguém a seguir um padrão. Mas claro, quando você vê alguém com a vida perfeita, dá vontade. O problema é quando a gente começa a se comparar e perde a própria identidade”.


Foto: Isabelle Barbosa
Foto: Isabelle Barbosa

Carol complementa: “O risco é construir um ‘falso eu’, uma persona performática que não representa quem a pessoa realmente é. Com o tempo, isso gera vazio, crises de identidade e angústia”.


O que (não) se mostra


Outro ponto comum entre os entrevistados é a necessidade de filtrar o que se compartilha. “Detalhes muito íntimos, projetos, família… eu prefiro não expor. O público se acha no direito de se intrometer”, diz Lorena. Hian também defende esse cuidado: “O que postamos não representa nem 15% da nossa vida real”.


Foto: Isabelle Barbosa
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Para a mãe de Lorena, Ana Taysa, o segredo está no diálogo e acompanhamento constante. “Não coloco limites no que ela deve postar, porque Lorena tem uma maturidade além da idade. Mas precisei estar mais atenta emocionalmente, porque a exposição afeta”.


O apoio familiar e a estrutura por trás das câmeras são fundamentais. Lorena conta com o apoio do namorado, que é publicitário e cuida dos contratos. Já Hian é mais independente, mas conta com três amigos que o ajudam com fotos, vídeos e roteiros.


O preço da imagem


Não é só a vida que é vendida como produto: o corpo também. Lorena revela que a maioria das propostas que recebe são para procedimentos estéticos. “É o que a sociedade inteira quer. Infelizmente, é algo que só vem piorando.” A pressão estética atinge em cheio os influenciadores, principalmente mulheres. “A solução é lembrar que cada um é único e é preciso relevar os comentários ruins”, diz.


Foto: Isabelle Barbosa
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Mas como criar uma relação mais saudável com a própria imagem quando a profissão exige estar sempre à mostra? A psicóloga Carol explica que para isso é imprescindível também fortalecer a autoestima fora das redes, manter vínculos reais, se desconectar de tempos em tempos, e seguir perfis que promovam autenticidade ao invés de gerar comparação.


Foto: Isabelle Barbosa
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Mais do que números


Influenciar, hoje, virou objetivo de vida para muitos jovens e nem sempre a atividade será aquela que dará respaldo à vida e ao futuro da pessoa. Gilmara Ferreira alerta: “O prestígio dos influenciadores está ligado à economia da atenção e ao culto à fama instantânea. Muitos abandonam projetos sólidos em nome de uma carreira instável e volátil, baseada em algoritmos”.


A especialista vê um desafio coletivo no qual não somente os adolescentes e jovens devem definir o rumo de suas vidas baseados no que aparentemente é rentável, mas trata-se de escolhas que envolvem o coletivo, com as famílias e escolas ensinando aos jovens a desenvolverem senso crítico, pois a influência pode ser positiva, mas é preciso consciência. A fama que chega repentinamente pode aos poucos se retirar da vida daquele jovem que precisa estar preparado para, se necessário, trilhar outro caminho, desenvolver outro projeto de vida.


No fim, o que está em jogo não são apenas números, mas histórias reais. Ser influenciador é lidar com a potência e a fragilidade da imagem, com a fama e a exposição, com o público e a própria intimidade, e ainda com a incerteza do sucesso, que pode ser efêmero. É viver entre o palco e os bastidores. Como resume Carol:


“Estar sempre conectado pode significar estar desconectado de si mesmo. O importante é lembrar: mais do que perfis, somos pessoas e é importante cuidar de si".

Foto: Isabelle Barbosa
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EXPEDIENTE

Fotografia e reportagem: Isabelle Barbosa

Supervisão Editorial: Rostand Melo e Ada Guedes

Entrevistados: Lorena Pontes, Hian Barbosa, Carol Arcenio e Gilmara.



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