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Pintando a vida com cores e inclusão: Alan Cruz por outra visão

  • Foto do escritor: JORGE ARTHUR MARQUES PEREIRA
    JORGE ARTHUR MARQUES PEREIRA
  • há 3 dias
  • 6 min de leitura

Foto: Jade Rocha
Foto: Jade Rocha


Fomos recebidos com dois beijos em nossas bochechas coradas pelo frio, abraços quentinhos — idênticos a quando se é coberto por lençóis grossos —, e um sorriso tão capaz de ofuscar as luzes da cidade, que o fez. Dizem que uma pessoa é capaz de atrair as lentes de uma câmera para si mesmo em meio a uma multidão. Escrevo, então, que Alan Cruz pode convidar qualquer gravador a contar sua história.


Natural do Maranhão e criado desde os três anos de idade em Campina Grande, na Paraíba, sentiu-se obrigado a ser reconhecido pelo que era, nem maranhense, nem paraibano: maraibano.


Alan teve o seu primeiro contato com a arte na cidade em que cresceu, ouvindo música clássica e criando esboços simples. “Filho de peixe, peixinho é”, diz o ditado popular; não para ele. Por vir de uma família comum, sem qualquer interesse artístico, precisou ter o diferencial de querer aprender, então a sua única opção era estudar [a arte] por conta própria.


Durante uma atividade na escola, aos 16 anos, Alan fez um texto e, a partir dessa produção, elaborou um desenho de formas femininas e descomunais. Sua professora, interessada no que ele criou, perguntou-lhe se não era capaz de fazer mais, “porque ele poderia fazer mais”. Precisou apenas dizer que sim para esse desafio traçar o seu caminho até o sucesso atual.


Ainda em 2005, criou o “Beleza Feminina”, sua primeira coleção com 20 telas, para um festival colegial que acontecia no Teatro Municipal Severino Cabral, no qual inúmeras escolas participavam nas mais variadas nuances artísticas. Não precisou de coragem para competir, porque nunca se importou com o que os outros pensavam, poderiam rir, mas ele continuaria ali. Afinal, os “haters” vão continuar sendo apenas isso. Assim, levou para casa o título de primeiro lugar e uma medalha de honra ao mérito, orgulhando os seus pais, e ainda mais importante: alimentando o seu espírito por criar.


No ano seguinte, ganhou mais uma vez. Então, tentou disputar em um terceiro ano no evento, mas já era reconhecido como artista local, e não conseguiu participar. Nesse mesmo período, ganhou destaque na cidade pela sua exposição na Vila Nova da Rainha, no Parque do Povo, onde teve todas as suas telas vendidas para turistas dos Estados Unidos.


Sem concorrer, mas ainda produzindo e levando sua arte para o cenário nacional, aproveitou o tempo livre para amadurecer a sua pintura e ir mais afundo em seu íntimo. O que produzia mostrou-se um reflexo de quem era e do que observava dentro de casa: sua mãe e como ela convivia com seu pai. Queria trazer para as telas algo que comunicasse às pessoas que ele as via e elas importavam, assim foi criando um estilo. Mulheres com todos os tipos de curvas, jeitos e posturas, poderiam olhar para sua arte e falar: “Olhem, se parece comigo”. Mas e para aqueles que não viam nada, como eles iam se identificar? Então, surgiu a ideia.




Três anos após a sua primeira exposição, o artista plástico retornou com seu novo trabalho “Liberdade, Viver e Sonhar”. Fugindo do seu comum, introduziu pela primeira vez o braille nas artes, o que dividiu as águas do meio artístico, porque, até então, não era permitido que as pessoas tocassem nas pinturas. Ele transformou o hino de Campina Grande em algo palpável; dividiu a coleção em 11 telas, com 11 estrofes referentes ao que se é cantado.


Venturosa Campina querida, Ó cidade que amo e venero!”.

A cidade que ele ama e venera foi o pontapé inicial que o fez destacar-se na arte inclusiva nos dias atuais.


Quando questionado como surgiu esse “insight” de permitir acesso à arte àqueles que não o tinham, Alan não hesitou em dizer que quando se é preto, de baixa renda e queer afeminada, vivendo em uma cidade antiquada, você acaba por sofrer muito preconceito. Ao viver o ódio 24h por dia desde adolescente, aprendeu a reconhecer os olhares e hoje consegue enxergá-los quando são dirigidos aos outros. Com empatia, identificou que pessoas com deficiência visual também sofriam desse estigma social silencioso. Depois de conquistar um lugar de visibilidade, não foi difícil tomar uma atitude quanto a isso.


Ser reconhecido ao redor do mundo sempre foi um sonho, e ele sabia que o realizaria. Estrelas nasceram para brilhar e Alan tinha acabado de sair do útero. Nunca precisou esperar por nada, pois se arrumava com o que dava. Suas primeiras telas eram construídas com tecidos, colocados com tachinhas na madeira que seu pai achava na rua, puxando e preparando a pintura. “Não tínhamos condições de comprar um quadro pronto”, afirmou.


Atualmente, quando quer, um caminhão com milhões de telas pode ser descarregado em sua casa. Antes, podiam ser as peças recicladas que os outros não queriam, mas foi com elas que o artista desbancou muitos outros pintores e chegou onde está, e deixou claro:


“O momento certo nunca vai chegar, você é quem faz ele ser o certo.”

Homem adulto de chapéu e casaco brilhante, jogando-o para o lado, com olhar debochado
Foto: Andressa Gonçalves

Com mais um “momento certo” em 2019, expôs a sua coleção "Canjerê" na Estação Cabo Branco, com telas pintadas e braille em suas escrituras. O nome traz o seu significado: reunir as pessoas para apreciar. Quando compôs esta arte, Alan tinha em mente expressar o que a arte é para ele: a união de todos em um, porque a identificação com o que está sendo visto é essencial.


“As pinturas desta série contém escrita em braille, portanto, os únicos que saberão o que tem ali são os deficientes visuais. As pessoas que enxergam terão outra visão, e assim trocam-se os papéis”, confira mais sobre o evento clicando aqui.

Durante a pandemia, mostrou-se grato ao auxílio da Lei Emergência Cultural Aldir Blanc, aprovada pelo Congresso Nacional que garantiu recursos para manutenção de espaços culturais e programas de fomento ao setor cultural, entre os meados 2020 e o final de 2021. Desejou que ocorresse mais apoio e incentivo do governo a pequenos e grandes artistas, já que foi nessa época em que criou dois outros projetos: o documentário do “Canjerê” [para assistí-lo clique aqui], onde atuou como diretor e roteirista próprio pela primeira vez, e “A Caixa”, com 64 telas, sendo a única exposição a ocorrer em Campina Grande, no período de isolamento, seguindo todas as medidas de segurança.


“Estava aquela loucura. E a obra nasceu do entendimento de que cada um estava se fechando na própria caixa, onde acabaram deixando os seus sentimentos e expressando-os. Fosse alegria, dor ou tédio; os quadros representavam o sentir”.

Desde 2021, com o falecimento do seu pai, , pintou apenas uma tela após a exposição “A Caixa”, dando uma pausa na sua carreira de artista plástico. Forçado a ver o mundo com uma ausência que nunca imaginou ter, desprendeu-se dos bens materiais e agora está em busca de coisas novas, como viajar, pois tem em mente que a única coisa que a morte não é capaz de levar, são as experiências que teve e terá ao desfrutar de tudo.


Em 2023, após os responsáveis pela exposição Armorial 50 terem feito uma rápida busca na internet, encontraram Alan, como assunto mais falado em Campina Grande acerca da arte. O artista acabou envolvido na produção e cenário do projeto, sendo ele o único maraibano a fazer parte da equipe, que vem de fora do estado. Fez-se contente com o trabalho que, com o contrato estendido, o fez viajar para Recife, Pernambuco, onde coordenou a exibição na cidade.


A exposição sobre o cinquentenário do Movimento Armorial, fundado por Ariano Suassuna, ficou em cartaz em Campina Grande durante seis meses, de maio a outubro de 2023, no Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP) da UEPB, mais conhecido como Museu dos Três Pandeiros.


Por ser muito animado, cheio de vida e brilho, não consegue ficar parado. Durante a estadia do Armorial no Museu de Arte Popular da Paraíba, nasceu em sua mente um trabalho voltado aos seus hobbies: o Tamaki, uma página no Instagram. “Tamaki é massa, Tamaki é tudo, Tamaki faz tudo”, animou ele, com a ideia de que esse trabalho também é um reflexo de quem é. Nela, o artista multifacetado e sua equipe exploram a gastronomia, cultura, viagens, dicas, moda e informativos.


Mesmo com toda a sua criatividade, Alan Cruz ainda passou quatro anos sem pintar. Anunciou recentemente em um no post no Instagram que voltou a criar, prometendo lançar uma série Pintando a vida com cores e inclusão: Alan Cruz por outra visãoespecial em outubro, comemorando 20 anos de carreira. No entanto, compreende que tudo o que faz é e sempre será, arte.


PS, se Iorek Byrnison, de "A Bússola de Ouro", renomeou Lyra Belacqua para Lyra da Língua Mágica, por quê eu não poderia renomear Alan, uma pessoa que tornou-se tão querida? Para mim, você sempre será Alan Cruz-Arte. Porque, como disse, tudo o que você faz é arte.



EXPEDIENTE

Fotografia: Andressa Gonçalves, Eli Marques, Jade Rocha e Laura Paiva

Texto, edição e pós-produção: Eli Marques

Entrevista: Eli Marques e Laura Paiva

Editora-chefe: Jade Rocha

Monitoria: Isabella Silva

Supervisão editorial: Ada Guedes e Rostand Melo

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