Herança que vem de berço: conheça a história de Severino Ramos
- Fernando Pereira
- 15 de mai.
- 5 min de leitura

Natural da cidade de Lagoa Seca, mais precisamente da comunidade de Chã do Marinho, Severino Ramos é um artesão que produz trabalhos com cipó. Ele começou movido pela necessidade, mas hoje a arte representa algo vital em sua história. Com a matéria-prima fornecida pela natureza ele conseguiu mudar o contexto de crise em que vivia e agora com mais de 30 anos vivendo do artesanato demonstra a satisfação pelo que faz.
Assim como a asa branca bateu asas, como diz a canção, Severino Ramos, de 53 anos, também o fez. Tendo sua vida marcada por dificuldades desde a infância ele tomou a decisão de ir para o estado de São Paulo no ano de 1985, apenas com 14 anos de idade, junto com sua irmã, ao encontro do cunhado que partiu meses antes em busca de trabalho. Ao chegar lá, o início para se estabelecer foi árduo.
Ainda muito jovem e sem ter como conseguir um emprego formal ele se virava com “bicos”. Ao atingir a maioridade e estar habilitado a emitir seus documentos conseguiu seu primeiro emprego em uma pedreira, na qual desempenhava um trabalho braçal muito desgastante “era capinando mato, carregando pedra, era um serviço braçal mesmo. Fazia de tudo”, conta. Com o decorrer do tempo as mudanças são inevitáveis, o compositor de destinos nos prepara muitas surpresas, algumas agradáveis, mas com outras não podemos dizer o mesmo.
Foi lá que ele conheceu sua esposa, entre os anos de 1989 e 1990. Após algum tempo de namoro eles se casam, ele com 23 e ela com 16 anos. Hoje com 34 anos desse matrimônio ele se mostra feliz pela realização. Ao perguntar se ainda estão juntos, Severino responde com um sorriso no rosto “estamos, até quando Deus quiser”.

Mas apenas eles sabem os caminhos tortuosos que tiveram que percorrer para chegar até aqui. Tudo ia bem, empregado em uma fábrica ele havia se estabilizado, não tinha muito, mas o necessário para viver bem. Em 1994 a fábrica vai a falência e as coisas começam a desandar.
Com dois bebês e sua mulher grávida no oitavo mês de gestação se viu em um beco sem saída: “quando a empresa faliu eu já estava mais ou menos estabilizado, mas aí eu fui perdendo as coisas. Não tinha renda e fui me desfazendo delas”.
Na época em que a fábrica decretou falência, as carteiras de trabalho ficavam retidas, não havia possibilidade de arranjar outro emprego. Sem trabalho e sem poder voltar a viver de “bicos”, ele pensou na possibilidade de voltar para sua terra natal. Mas é nessa dificuldade que Severino vai ao reencontro as suas origens, e é com a herança que herdou de berço que ele traça novos caminhos.
Ao conversar com a irmã e contar sobre o que pretendia fazer, regressar a Paraíba novamente, ela lhe deu a ideia de fazer balaios. Na época em que viviam aqui foi isso o que lhes garantiu o sustento. Os pais dele faziam, suas irmãs mais velhas faziam, todo mundo fazia, menos ele que por ser o irmão caçula não tinha muita habilidade na época.
Após pensar nos conselhos da irmã foi tentar a sorte. “Aí foi quando veio a ideia dela de eu começar a fazer artesanato, até aí eu não tinha feito nada, mas eu estava decidido a voltar pra cá, ela pôs na minha cabeça que eu ficasse lá que ia dar certo”. E como quem previa o futuro, sua irmã tinha toda razão. De lá para cá, Raminho, como é conhecido, nunca mais parou.
“Ela me disse ‘olhe, você tem que botar na sua cabeça que a nossa família foi criada no artesanato. Riqueza nós nunca tivemos, mas fome ninguém nunca passou’”
Suas primeiras peças foram balaios, uma produção ainda muito rudimentar, como a de seus pais. Foi em São Paulo que ele aperfeiçoou suas técnicas e assim passou a produzir trabalhos mais elaborados. “Lá eu conheci uma mulher chamada Marilene, na região de Campinas, Ribeirão Preto. Ela foi para os Estados Unidos e adquiriu uma revista que tinha esse negócio de avião, bicicleta, casinha, aí eu fui vendo e comecei a copiar e deu certo”.
E foi assim que a história de Severino com o artesanato se iniciou. Foram dois longos anos após a falência da fábrica para se reestabelecer. Mas como diz o ditado: o bom filho a casa torna, e o regresso que antes seria por necessidade passa a ser pela vontade e um pouco de apreensão.
“Até eu me estabilizar de novo, quando comecei com artesanato, passei por um bocado. Os meninos tudo de fralda e leite, em um lugar distante daquele, não tinha mãe, não tinha pai, não tinha ajuda de ninguém, só era eu e ela mesmo com três crianças pequenas. Passou mais ou menos uns dois anos numa barra meio complicada. Mas Deus me iluminou”
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Com medo de não ver seus pais ainda com vida, ele decide regressar a sua terra natal. Em 2005 volta e a incerteza mais uma vez bate a porta, com a resistência de sua esposa e o medo do artesanato não lhe render frutos aqui. Mas isso não lhe impediu, colocou seus medos e inseguranças dentro das malas junto com seus pertences e voltou, com sua esposa e cinco filhos.
“Eu não tinha ideia de voltar, porque lá não estava ruim pra mim, sabe? Mas o problema é que meus velhos já com idade, eu via a hora eles morrerem e não ver eles mais. Aí eu falei pra mulher ‘eu vou morar lá e enquanto mãe e pai não ‘morrer’ eu não saio. E se der certo não volto mais’ ”.
E assim fez. Hoje, com mais de 20 anos de sua volta, não mostra nenhum arrependimento da escolha. “Voltei pra cá e daqui não saio mais”. A preocupação em viver de artesanato por aqui era um ponto que o inquietava, pois o poder aquisitivo das regiões eram distintos. Mas foi a inovação que lhe propiciou superar essa barreira.
Produzindo os mais variados artigos de decoração, como bicicletas, casas, aviões, e até o tradicional e velho balaio, que já não encontra tanto espaço assim. “Como eu faço muita coisa diferente aí eu tenho uma aceitação melhor do mercado, porque eu conheço muita gente que infelizmente quase não vende (os balaios). Porque o pessoal não procura mais”.

Hoje vivendo do artesanato ele leva uma vida com serenidade, sem preocupações com o sustento da família. Apenas com o que retira da natureza, de uma forma consciente e ambientalmente correta, ele consegue se manter muito bem com a profissão que exerce.
“Você tem que saber tirar o material para não destruir a natureza, tirar só o que você precisa para não estragar. Tem que ter muito cuidado para não deteriorar a floresta, porque a gente vive dela e é muito importante também dizer que isso aí não é eliminar o cipó, é uma poda. Cada vez que você corta aquele pedacinho, ele brota mais forte.”
Raminho se mostra grato pelo o que o artesanato lhe proporcionou “tudo que eu tenho é através do artesanato, eu não me lembro de ter um palito de fósforo enquanto estive empregado”.

EXPEDIENTE:
Texto e fotografia: Fernando Pereira
Monitoria: Briza Cunha e Ivaneide Santos
Supervisão Editorial: Ada Guedes e Rostand Melo
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