Antônio Clarindo: História e legado no coração de Campina
- coletivof8noite
- 28 de ago.
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Cearense radicado em Campina Grande, Antônio Clarindo Barbosa de Souza, é cearense, pai de três filhos, e dos seus 60 anos, 33 foram vividos em Campina Grande. Licenciado em História; Mestre em Educação; Doutor em História; e Pós-Doutor em História das Cidades, atualmente é professor da Universidade Federal de Campina Grande em cursos de graduação e pós-graduação.
Estudioso dos fenômenos urbanos e história das cidades, faz parte de seu repertório de pesquisa os temas: cultura, história cultural, ensino de história, cultura popular e atividades lazer, mulheres na cidade, prostituição, festas populares e violência e literatura. Sua contribuição na área da história vai além dos muros acadêmicos, pois como escritor, têm deixado um legado para a memória social, cultural e urbana de Campina Grande através de suas obras. Um dos momentos de reconhecimento destes fazeres na educação e na literatura, veio em agosto de 2022 com a indicação de seu nome como membro da Academia de Letras de Campina Grande (ALCG).
Nesta entrevista, o professor fala sobre a importância da história para a sociedade, sobre carreira, suas obras literárias e sua identificação com Campina Grande não apenas como cidade enquanto objeto de pesquisa, mas como seu lugar de morada e de experiência viva.
Campina Grande é conhecida por acolher forasteiros. Fale um pouco sobre sua vinda para cá. Qual idade tinha, qual o contexto e motivação para escolher esta cidade?
Eu sou de Fortaleza, Ceará, nasci em 1964 e na década de 1990 fiz um concurso e passei para Roraima, lá passei todo ano de 1991, mas queria morar perto de Fortaleza, então fiz dois concursos, um na UFPB, em João Pessoa e o outro em Campina Grande, que ainda se chamava UFPB. Fiz o de João Pessoa e não fui aprovado por existir uma quantidade muito grande de pessoas. Em 1992 fui aprovado em Campina Grande e vim pra cá. Só que quando cheguei aqui foi exatamente na transição do Governo Collor e Itamar, quando os aprovados não foram contratados imediatamente, passei 9 meses esperando ser contratado. Em dezembro fui contratado e comecei meus trabalhos na universidade. A motivação foi buscar um emprego melhor e estar mais próximo do Ceará, perto de casa e o terceiro trabalhar com história, que me agradava desde a graduação.
Um cearense em terras paraibanas. Muitos que aqui se fixam se identificam muito com a rotina de uma cidade pacata mas de oportunidades. Como é seu vínculo com sua terra Natal e com Campina Grande?
Primeiro fiz parte de um projeto sobre favelização de Campina, bairros populares, depois fui para a tese de doutorado sobre divertimentos público em Campina Grande. Isso me deu uma visão muito boa da histórica da cidade e ao mesmo tempo, academicamente eu vivia minha própria história dentro da cidade, via bairros crescendo, outras áreas se desenvolvendo e a minha vinculação a Campina Grande foi aumentando ao passo em que fui me distanciando de Fortaleza. Quando saí de lá tinha 700 mil habitantes, hoje já ultrapassa 2 milhões e 700 mil pessoas, muita coisa mudou, é a terceira metrópole do Brasil. Então, acompanho Fortaleza de longe, me interesso por assuntos políticos e tal, mas realmente minha vida hoje é em Campina Grande.

Porquê História? Como aconteceu essa escolha?
Já gostava no colégio, depois fiz um cursinho durante 4 meses e tive um professor muito bom de História que conseguia trazer aquelas coisas meio factuais, de uma forma bem organizada, calma. Fiz o vestibular lá no Ceará, na Universidade Estadual, fui aprovado e me apaixonei pelo curso. Na minha época, na década de 80 tinha uma tradição muito positivista e tinham poucos professores analíticos. No materialismo histórico, eu aprendi e gostei muito e logo em seguida fui ser professor de um colégio e depois da universidade de Roraima. A história é uma disciplina muito ampla, você precisa saber de filosofia, economia, precisa de retórica, por isso minha paixão por História. Ministro regularmente em História Antiga, Medieval, Pré História, eu aprendi muito sobre História das cidades. Hoje me sinto especialista em História das cidades e faço parte do mestrado da UFCG, na linha II que é cultura, poder e identidade.
Você é historiador, professor e escritor. O que cada uma dessas atividades representa pra você?
É uma construção, você começa a escrever sobre história e começa a perceber que é possível encontrar um fato histórico de forma literária também, sem perder a firmeza do documento. Depois senti a necessidade de criar textos ficcionais, então acabei criando um segundo viés de escrita. Como professor e historiador, eu sou Antônio Clarindo e como Dom Clarindo, um personagem que criei na internet, sou escritor de outro tipo de obra. Agora esses dois personagens se confundem. O nome Dom Clarindo surgiu por causa de uma aluna minha que estudava medieval e me chamava assim.

Você tem ampla experiência de pesquisa em diferentes campos da história, mas destaca-se seu interesse sobre história das cidades. Fale um pouco sobre sua produção nesse tema.
Quando a gente começa a falar sobre história de cidades como Campina Grande, como já me considero daqui, percebemos que temos várias vinculações de outras cidades. Fiz um panorama ao estudar Campina, João Pessoa, Recife, Fortaleza, aí a gente vai subindo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, depois Paris, Inglaterra, no caso Londres, e a gente começa a saber que a História das Cidades são vistas por vários ângulos da cultura, arquitetura, das artes em geral e também da literatura. É um campo vastíssimo para se estudar, tem a cidade em si, a arquitetura, as lutas políticas, as formas de limpeza urbana, por exemplo, são muitos temas, cada aluno pode estudar um tema diferente e aqui temos feito isso.
Acredita que Campina Grande tem tido sua história contada, registrada em livros de forma expressiva ou ainda é um pouco? Poderíamos ter mais registros?
Em quantidade, nós temos livros desde a década de 1920, da década de 1910, inclusive. Sobre a questão da qualidade ou dos enfoques há uma certa dificuldade porque houve uma pequena geração de cronistas sobre a cidade que só registrava crônicas sobre alguns assuntos. Depois tivemos uma segunda geração de historiadores materialistas históricos que tratava da economia e da política de Campina Grande. Mais recentemente, de 90 pra cá, temos um conjunto de historiadores que são da história cultural e social que tratam de temas específicos, como cinema, rádio, literatura, dança, do São João. Então eu digo que é muito representativo, mas não tem como fazer uma junção dessas três coisas, são enfoques diferentes.
Você tem seis livros de autoria individual. Algum deles é seu preferido? A qual precisou dedicar mais tempo?
Atualmente tenho 7 individuais e o vigésimo quinto coletivo, com historiadores e literatos. O que mais demorou foi um romance histórico chamado Campina meu Grande amor, que é uma declaração de amor a Campina Grande, é uma história ficcional, onde criei um personagem e fiz esse personagem chamado Floripes Pineta, atravessar sete décadas da história de Campina Grande. Tem fatos reais contado a partir das documentações e tem fatos que inventei. Deu mais trabalho pois escrevi em 2020, durante a Pandemia. Foram 7 meses de escrita, mas na verdade ele representa 20 anos de pesquisa, juntando pesquisas que eu já tinha. Foram feitas duas tiragens de 100 exemplares e todo foram vendidos e agora a gente vai tentar uma segunda edição. Esse é o meu preferido é e o segundo, também de ficção, chamado Assassinatos da linha vermelha, que é sobre um personagem que vai para São Paulo e cometeu alguns crimes, é muito bem estruturado, gosto muito como trabalhei ele.

Em 5 de agosto de 2022 você foi eleito como imortal da Academia de Letras de Campina Grande (ALCG), ocupando a cadeira n° 15, que tem como patrono o historiador Irineu Joffily e fundada por José Joffily. Como se sentiu naquela ocasião?
Isso é muito importante para qualquer pessoa que desenvolve uma carreira acadêmica, pois significa ser reconhecido por uma instituição muito importante. São 30 membros, dois deles não votaram, fui eleito com 28 votos, quase unânime. Fiquei muito feliz, muito honrado e hoje devendo a instituição da academia, pois criamos uma responsabilidade com o que vai fazer, escrever. E é um grande reconhecimento não só da academia, mas dos meus ex alunos, das pessoas que trabalharam comigo. Quero fazer uma referência, muitas pessoas não acham importante a academia, acham que é um lugar conservador, que não oferece discussão e é totalmente o contrário. A pluralidade da composição gera a abertura, são médicos, advogados, engenheiros, professores de história, psicólogos. É um ambiente onde você pode escrever o que quiser, ninguém vai lhe coibir. Devemos nos posicionar e a Academia permite isso, e ela é pouco apoiada na cidade, as pessoas ainda não conhecem o trabalho da academia, mas me sinto muito honrado em fazer parte dela.
Qual a importância para um povo, conhecer sua história? Temos perdido o hábito de leituras históricas? Quais os prejuízos nesse sentido?
Por um lado temos essa crítica, essa preocupação de que as pessoas não estejam lendo história, mas é o contrário as pessoas estão lendo em quantidade, pois tudo que você ler na internet é importante, no livro digital, nos audio livros. As pessoas não lêem formalmente. O que está faltando é reflexão do que se lê, pois as pessoas estão perdendo isso, as escolas não estão mais estimulando, é só ler e responder .
O que falta não é leitura e sim reflexão e a capacidade de representar aquilo de forma correta, lógica. Há também um acúmulo de informação. Nosso trabalho como professor, escritor é fazer as pessoas lerem, refletirem e discutirem e até discordar da gente. Mas nós temos essa necessidade de ter um pouco o pé na realidade. Cito Peter Burke que diz: “o historiador é aquele que é condenado a lembrar o que a sociedade não quer lembrar”.

Você concluiu a pouco tempo a graduação em psicologia pela UEPB. Como foi essa escolha, o que te motivou a escolher psicologia?
Foi uma experiência muito interessante, pois já fiz esse curso com mais de 50 anos, durante a pandemia, foram cinco semestres presenciais e a outra metade em modo remoto. Uma pessoa mais madura, eu sabia algumas coisas e outras fui desaprender, coisas que achava que já sabia. A escolha por psicologia foi um sonho de adolecente que não pude fazer, pois fui trabalhar e criar minha família. É um curso muito importante onde a gente aprende a tratar o indivíduo que nos procura como psicólogo e também ajudar a entender os grupos sociais onde atuamos, nosso grupo de trabalho, familiares e até os grupos de whatsapp. Minha escolha foi afetiva e todo mundo achava estranho uma pessoa com mais de 50 anos de idade, que já tinha todos os títulos possíveis, doutor, pós doutor em história, fazendo um curso de graduação. Pois mostro aos meus alunos que tudo é possível.
Quais os projetos atuais que tem se dedicado na universidade? Algum projeto de livro recente?
Ano passado, em 2024 eu tive três focos, um foi fazer uma coletânea de contos, formato que comecei a escrever em 2023 e ainda vou fazer um livro individual de contos. No final do ano eu vi que não tinha a quantidade de contos suficiente para fazer um livro individual então convidei alguns colegas, fiz uma junção com 11 autores e autoras e organizei esse livro que em quarto meses estava pronto. Está vendendo bem, chamado Coletâneas Conto, volume I. O segundo projeto é um livro sobre os municípios da Paraíba, que já tenho quatro exemplares e agora vamos fazer o quinto com outros colegas, pessoas da Geografia, da História e da Sociologia. Vamos lançar ainda em 2025, se Deus quiser. O terceiro projeto é uma retomada do Campina, meu Grande amor, quero fazer uma segunda edição, melhorar, colocar mais fotos e espero que saia ainda esse ano. Fiz o pós-doutorado em História das cidades, em São Paulo e fiz um livro sobre o imigrantes nordestinos em São Paulo, esse livro foi lançado em 2022 e agora estou pretendendo ampliar, mas só vai sair em 2026, pois é muita coisa ao menos tempo.

Expediente
Fotografia : Wanilza Gomes, Fabiana Santos e Jefferson Ferreira
Redação e Produção : Jefferson Ferreira
Entrevistadores: Jefferson Ferreira e Wanilza Gomes
Monitoria: Bianca Dantas e Cecilia Sales
Supervisão Editorial : Rostand Melo e Ada Guedes
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