Aos 17 anos, Clara Lavinha trilha um caminho marcado por grandes desafios e conquistas. Estudante do curso técnico de Química, no Instituto Federal da Paraíba (IFPB), campus Campina Grande, ela também se dedica intensamente aos esportes como lutadora de Wrestling, Judô e Jiu-Jitsu.
Natural de Montadas, cidade no interior da Paraíba, Clara enfrenta desafios que vão além dos tatames, lidando com limitações estruturais e financeiras que geralmente cercam a trajetória de jovens atletas. Mesmo assim, ela mantém o equilíbrio entre a vida acadêmica e profissional, carregando consigo os valores de responsabilidade, perseverança e determinação.
Nesta entrevista, conheça mais sobre a carreira, os impasses, estilo de vida e sonhos da atleta paraibana, Clara Lavinha.
Como e quando surgiu o interesse pelas artes marciais e quando começou a considerar trilhar uma carreira no atletismo?
Eu tinha 14 anos, era pós-pandemia e eu estava uma fase muito depressiva, às vezes eu não conseguia sair da cama, era muito magra e tinha uma disforia corporal muito grande. Eu estava muito distante de tudo, tanto que meu irmão treinava e eu não sabia. Conheci meu ex-namorado, que me chamou para um treino. Com duas semanas tomei coragem de realmente ir. Comecei por hobby porque eu queria sair daquele estado. Em um ano, surgiu a oportunidade de viajar para o Amapá. Eu não tinha condição na época de viajar de avião, conhecer outro estado, era uma oportunidade para isso, Então pensei: preciso focar nisso e comecei a treinar realmente o wrestling.
O que a arte marcial significa para você em um nível pessoal?
A arte marcial faz parte de tudo meu. Sem o esporte eu fico perdida. Ela me ajudou a sair do estado que eu estava, e a poder crescer, tanto como pessoa tanto como profissional.
Quando começou a competir em campeonatos? Fale um pouco sobre preparação
Foi difícil, na minha primeira oportunidade eu tinha que baixar 4 quilos. Eu já era muito magra, tinha 47 quilos e deixei para cima da hora e acabou que deu muito problema. Eu fiquei bem mal. E sobre o processo, era algo muito distante da minha realidade, porque onde eu treinava lá em Montadas não tinha o wrestling, tinha o judô e o jiu-jitsu, que era o que me ajudava no wrestling, que era o que eu queria.
Você já lutou em muitos estados, como é a experiência de lutar fora de casa?
É sempre uma pressão maior porque você tá na casa de outra pessoa, em outro estado, longe da família. Às vezes chega acima do peso e é aquela pressão. Por outro lado, é muito bom porque você consegue conhecer outras pessoas, outros lugares.
Quem são suas inspirações nas artes marciais?
Minhas inspirações nas artes marciais vêm das pessoas próximas a mim, não de celebridades. Como meus senseis (Elizer, Elias e Fabiana) e seu filho, Gabriel Ferreira. Ele treina com uma dedicação incrível, cerca de quatro vezes ao dia, vive para o esporte. Mesmo após o fim dos treinos, ele permanece no tatame até tarde da noite, se aprimorando. No wrestling, ele é sem dúvida, minha maior referência.
Pode compartilhar algum momento decisivo ou luta que mudou sua carreira?
Um dos momentos mais decisivos da minha carreira foi durante uma seletiva estadual, enfrentei uma atleta da seleção brasileira, entrei na luta sentindo muita pressão e insegurança, mas, para minha surpresa, acabei vencendo. Essa vitória foi um ponto de virada, mudando completamente minha confiança. Outro momento marcante foi nos Jogos Escolares, quando enfrentei minha amiga Maria Paula Satira, que já tinha me vencido duas vezes. A luta foi extremamente disputada, empatada até os últimos segundos, mas ela venceu no final. Embora tenha sido uma derrota dolorosa, essa experiência me trouxe grandes lições e marcou profundamente minha jornada.
Ser adolescente é já estar construindo uma carreira nas artes marciais é um grande desafio. O que você aprendeu sobre si mesma nesse processo?
O que mais aprendi ao longo da minha trajetória nas artes marciais foi a importância da cura, tanto emocional quanto psicológica. Enfrentei muitos desafios e, nesse processo, consegui finalmente me enxergar de uma maneira que vai além da aparência física. Aprendi a me valorizar por quem sou de verdade, pelo impacto que tenho na vida dos outros e, principalmente, por cuidar de mim mesma. O maior ganho foi poder me olhar no espelho e reconhecer minha força, minha bondade, e perceber que superei barreiras internas que antes me limitavam. Hoje, vejo uma pessoa forte, resiliente e em constante evolução.
Além de atleta, você é estudante, como equilibra o lado profissional com o acadêmico?
É cansativo, mas não sou de reclamar. Quando você fala algo você se veste daquilo. Ontem mesmo fui dormir duas e pouco e acordei cinco horas da manhã para vir pra escola, mesmo assim, não visto a camisa do cansaço. Muitas vezes eu me vejo dormindo em pé, mas no final do dia é prazeroso chegar em casa, tomar um banho, comer e ir dormir pensando eu venci hoje e amanhã é outro dia.
Existem momentos em que o cansaço bate forte, mas você precisa continuar treinando. O que você faz para manter a energia e a motivação?
Moro em Montadas e estudo e treino em Campina Grande. Ano passado eu ficava o dia inteiro em Campina, reconheço o meu esforço porque não é fácil sair e deixar a sua família. É abdicar do sono, de uma alimentação equilibrada e necessária, além de ficar longe da minha família. Faço três vezes mais que o outro, pela distância, por esta rotina, então competir com elas de igual, tendo uma realidade bem diferente me faz ter reconhecimento pelo que faço.
Qual a importância da alimentação para manter seu peso e desempenho?
Hoje em dia eu tenho acompanhamento nutricional, mas quando não tinha era bem complicado, as vezes eu me pesava faltando uma semana e estava com três, quatro kilos acima. Eu fazia umas dietas loucas, parava de comer, beber água. A alimentação nem sempre foi meu forte, era, inclusive, o que me matava. Hoje tenho minha nutri e faço tudo certinho, me sinto bem melhor, não sinto tanta fome e tenho mais disposição.
Como você lida com o estresse e a pressão antes das competições?
Quando chega perto de competição fico muita estressada, qualquer coisa que sai do eixo eu tento respirar e sair de perto para não descontar nas pessoas. É difícil lidar com o estresse. Em relação a pressão, para muita gente pode ser ruim, mas tendo uma pessoa fora do tatame, como os meus senseis e técnicos, eu consigo trabalhar melhor sob pressão.
Como sua família e amigos apoiam sua carreira como atleta?
Vou falar principalmente da minha mãe, porque ela é tudo pra mim. Ela não é de chegar e da beijo, abraço, ela demonstra que apoio cuidando da minha alimentação, me ajudando no dia a dia. As pessoas sempre me dizem "tua mãe sente muito orgulho de você”. Minha mãe é meu alicerce. E meus irmãos também são tudo para mim, meu irmãozinho pergunta "cadê a medalha?", me dá um abraço, e sempre pendura as medalhas. Minha irmã, Valentina, sempre comenta com os amiguinhos "aí, minha irmã já viajou para todos os lugares, ela luta". E isso me motiva muito.
Você já precisou desistir de participar de algum campeonato ou evento importante por questões financeiras? Se sim, como isso te afetou?
Já precisei desistir de competições, mas, as mais importantes, Deus sempre me enviou anjos para que pudesse segurar ali, sabe? Às vezes eu achava que eu não tinha condições, eu fazia uma rifa, por exemplo e conseguia juntar. Mas se fosse depender só do meu lado financeiro, eu não conseguiria. Tanto que de todas as competições que eu fui, minha mãe nunca me deu um real para nada, porque eu sabia que se tirasse da minha mãe, iria faltar dentro de casa. Estar competindo, sempre na ativa é um grande luxo, porque são caras as competições
O que você acha que seria diferente na sua carreira se tivesse mais apoio financeiro?
Talvez se naquela época em que eu fazia tantas loucuras com a minha alimentação eu tivesse um apoio financeiro, um apoio profissional, psicológico também, eu não teria passado por tantas pressões, por tanta auto cobrança, por tanto choro. A caminhada do atleta é muito difícil, é muito dura.
Quais os principais desafios que você enfrenta em termos de visibilidade por ser uma atleta que mora no interior?
As entrevistas, por exemplo, só chegam quando você está no seu ápice. Não chegam quando você está construindo. A principal dificuldade é que as pessoas só acreditam quando o atleta já deu certo, enquanto você está construindo ali, ninguém acredita.
Qual conselho para outros atletas que são do interior e também enfrentam essas questões?
Continuem treinando e se esforçando, porque as coisas chegam até você. Quando é para ser seu as coisas chegam até você, mas só chegam se você tiver sabedoria de buscá-las também. Acreditem no caminhar que as coisas chegarão até vocês.
Quais suas expectativas em relação ao crescimento pessoal e profissional dentro do esporte?
"Eu estou no terceiro ano de ensino médio, então é aquele medo de não conseguir entrar na faculdade que quer e as vezes nem saber o que quer, principalmente. E eu venho escutado de muitas pessoas que eu devo fazer a educação física, principalmente dos meus professores. Para abrir outras portas e não me desviar do esporte. E com o lado profissional, eu quero muito conseguir alcançar a chance de poder viajar para fora através do esporte.
Pra finalizar, você considera que chegou a sua ascensão sendo uma atleta vice-campeã brasileira e internacional?
Essas conquistas foram muito importantes, me fez entender que o tatame é o meu lugar, mas não acho que cheguei a minha ascensão, sei que sou capaz e almejo mais. É a minha primeira medalha internacional, e desejo alcançar muitas outras, mas tem um peso enorme, grandioso e de superação na minha vida, só eu sei o quanto eu lutei e insisti por essa medalha.
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Fotografia e entrevista: Maria Eduarda, Pedro Belo, Júlia Leal e Rayanne Silva
Produção textual: Maria Eduarda, Pedro Belo, Júlia Leal e Rayanne Silva
Supervisão editorial: Rostand Melo e Ada Guedes
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