Elaine Cristina: “Na sala de aula conto história com palavras, na dança, com o corpo”
- coletivof8noite
- 1 de mai.
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Historiadora por paixão, dançarina por expressão. Conheça a trajetória da professora que utiliza da dança para celebrar a cultura

Natural de São Caetano do Sul, São Paulo, Elaine Cristina de Souza tem 55 anos e reside atualmente em Campina Grande, na Paraíba. Adepta do candomblé, religião de matriz africana, ela é formada em história pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), tem especialização em História da África, pela mesma instituição e é mestranda na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Em sua vida é nítido o amor por dois fazeres: o ensino e a dança. Uma mulher autêntica, mãe, estudante, professora de História e dançarina, que trilha uma jornada que reflete dedicação e amor pela educação e pela cultura.
Veio para a Paraíba aos 14 anos quando em 1984, sua mãe, natural de Sapé, cidade paraibana, veio visitar a mãe e sentiu o desejo de conhecer o Nordeste. A viagem de ônibus, na época pela famosa São Geraldo, durou três dias e ao descer na Rodoviária Velha ela já se depara com o forró e se apaixona pela forma de falar e de viver dos paraibanos. Percebeu em Campina Grande uma possibilidade de fixar moradia.
“Minha maior motivação para ficar na Paraíba foi estar perto da minha avó e também conhecer as riquezas da Paraíba.”

História: uma paixão, uma causa
Foi em 1988, na Escola Estadual da Prata, onde estudava, que Elaine conheceu uma professora chamada Santana. Certa vez, durante uma aula sobre o Egito, Cristina se apaixonou. “Eu fechava os olhos e só escutava a voz dela e a partir daí eu disse: ‘vou fazer História’. Fui fera em 1989, na UEPB, que ainda era FURNE lá no Açude Velho. Minha paixão por História se deu através de Santana, que já nos deixou.”
Durante a graduação desenvolveu pesquisa sobre a representação do negro e da negra nas obras de Nelson Pereira dos Santos. Suas crenças religiosas podem ter influenciado sua escolha, mas destaca que a luta contra o racismo e a intolerância religiosa foi sua maior motivação. Aliás, a educação antirracista é o que mais enfatiza nas suas aulas, do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.
“O que pauta o meu trabalho é a educação antirracista.”

A cultura africana é assunto constante em suas aulas. Reforça que as leis: 10.639/2003 e 11.645/2008, que estabelecem a obrigatoriedade do ensino da história, cultura afro-brasileira e indígena no Brasil, incentivam o desenvolvimento de atividades e a obrigatoriedade do ensino voltados para a cultura, ensino de História da África e da cultura afro-brasileira são essenciais para assegurar o debate de uma pauta tão importante. “Tem pais que perguntam: para quê está lecionando sobre orixás? Pra que tá falando sobre negros? Então, a gente tá respaldado pela Lei na desconstrução de pensamentos discriminatórios.”
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Ao ser questionada sobre realização profissional, Elaine destaca que se sentir valorizada é algo subjetivo, uma vez que a sociedade precisa valorizar o profissional, financeiramente e também humanamente. “Eu, enquanto professora, escolhi a profissão certa, como profissional, estou realizada. Embora haja necessidade de caminhar para a valorização do educador. Tem professores ficando doentes porque não conseguem resolver problemas, que não são nossos e a gente acaba absorvendo. Então, é urgente a valorização dessa categoria.”
Essa narrativa muitas vezes assusta os aspirantes à docência, principalmente os de base fundamental. No entanto, Elaine destaca que todo professor vai enfrentar problemas ao longo de sua trajetória, mas que com estudo, qualificação, cuidado com a saúde mental e física, e procurando fazer o que gosta, se sentirá realizado.
Movimento que cura
Para Elaine um caminho para cuidar da saúde física e mental é dançar. A princípio como um hobby e hoje como terapia, a dança chegou para ficar e transformar a vida da professora. “Os problemas da sala de aula desaparecem quando estou dançando.” Entre os anos de 1988 a 1995 ela fez parte do grupo Acauã da Serra da UEPB, onde dançava xaxado, baião e xote, mas foi em 2017 que Cristina se identificou com a dança do ventre, modalidade que passou a ser a preferida para se expressar.

A paulistana traz em suas veias a valorização da cultura e cita a dança como fonte de autoconhecimento e felicidade, mas reconhece a problemática que incide sobre o corpo da mulher que dança. Referência de representatividade feminina, ela reforça a importância da evolução da aceitação do poder da mulher e traça um paralelo entre a sociedade e o palco.
“Nossa sociedade ainda é machista e costuma enxergar a mulher como objeto, tanto no cotidiano como na dança. É preciso desconstruir essa visão e entender que a mulher pode dançar para si mesma e não para os outros.”

Para ela, a dança do ventre tem suas peculiaridades que vão muito além da sensualidade e do estereótipo de que a finalidade é a sedução dos homens, pois perpassa o empoderamento feminino e traz benefícios como flexibilidade, alongamento, fortalecimento dos músculos, emagrecimento, estímulo à capacidade de memorização, expressão e elevação da autoestima.
“Tive uma aluna que, no início, não conseguia nem tirar a blusa para vestir o top da dança. Com um tempo, ela se olhou com mais carinho, se viu linda, como todas nós somos. A dança tem esse poder: nos ensina a nos amar do jeito que somos.”
Algumas apresentações em festivais marcaram a vida de Elaine. A dança trouxe um mérito cobiçado: uma medalha de ouro! Ficou em primeiro lugar na fusão belle forró em um festival de São Paulo. Diante de 13 grupos, se destacou no festival de mercado persa, reconhecido a nível internacional, que se solidifica em expressões folclóricas, egípcias, fujões e dança cigana. Esse reconhecimento trouxe um sentimento de gratificação para a professora:
“Foi minha primeira medalha e não será a última; um momento muito importante e maravilhoso que vivenciei.”
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A história de Elaine nos inspira por ser cercada de ações benéficas para si e para o outro. Ela se cercou de fazeres que contemplam não só sua satisfação pessoal e profissional, como evidencia a importância de projetar para os outros a importância dessa busca. Ela faz isso ao falar e viver diferentes formas de representatividade, valorização da cultura e empoderamento.
EXPEDIENTE
Pauta: Sonalle Eduarda
Entrevista: Vitória Sousa e Anna Carolina
Redação: Sonalle Eduarda e Jonnatan
Cobertura Fotográfica: Anna Carolina, Jonnatan, Sonalle Eduarda e Vitória Sousa
Monitoria: Bianca Dantas, Cecília Sales
Supervisão Editorial: Rostand Melo e Ada Guedes
Agradecimentos: Elaine Cristina
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