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  • DAVID LUCAS MAXIMO PEREIRA

Rostand Lucena: Herdeiro de uma tradição, dono da própria narração


Foto: David Pereira

O futebol, por natureza, é um esporte que inflama as emoções de milhões de fãs em todo o mundo. É, indiscutivelmente, o esporte mais cativante e apaixonante do planeta. Quando acompanhado de uma narração, quer seja no rádio ou na televisão, um jogo de futebol adquire uma dimensão ainda mais especial. O narrador assume a nobre missão de transmitir ao telespectador todos os detalhes minuciosos da partida, fazendo-o de forma precisa e usando uma linguagem acessível ao público em geral. Para além de apresentar o espetáculo que se desenrola dentro das quatro linhas, o narrador carrega a responsabilidade de eternizar momentos que permanecerão na memória do torcedor para sempre.


Nesse contexto empolgante, emerge a figura de Rostand Silva Lucena, consagrado jornalista esportivo e narrador paraibano, nascido e criado em Campina Grande. Rostand tem formação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Além do rádio, também atuou na televisão, onde desempenhou o papel de apresentador no programa SuperEsportes da TV Borborema, afiliada do SBT na Paraíba, onde também emprestou sua voz vibrante à narração da Copa do Nordeste. Atualmente, ele continua a brilhar nos microfones das rádios Caturité e Tabajara.


Filho de ninguém menos que o saudoso Joselito Lucena, conhecido carinhosamente como “Zelito”, Rostand é herdeiro de um dos maiores ícones da narração esportiva no Brasil, e indiscutivelmente, o mais influente no cenário do futebol paraibano. Nesta entrevista exclusiva, Rostand compartilha suas percepções sobre o estado atual do jornalismo esportivo, homenageia as figuras que o inspiraram ao longo de sua carreira e revela os desafios e dinâmicas únicas que permeiam a vida de um jornalista esportivo na Paraíba


Como foi a sua decisão de abraçar a carreira de narrador esportivo e optar pela comunicação como sua profissão?

Eu acompanhava meu pai desde cedo, sempre admirei o trabalho. Acompanhava a equipe esportiva na época da Rádio Borborema, inclusive em algumas viagens. Sempre fui direcionado ao futebol e às transmissões esportivas. Mas quando adolescente, temos uma perspectiva diferente de vida. A minha era: “eu vou ganhar dinheiro”, coisa que o rádio, infelizmente, não dá até hoje, pelo menos em Campina Grande. Eu via as dificuldades que meu pai passava em termos de apertos financeiros. No meu primeiro vestibular, prestei para engenharia mecânica, passei e comecei a cursar, só que, depois eu já não me identificava com o curso, então tomei a decisão: “não é isso que quero pra mim, vou fazer comunicação, porque é o que eu gosto”. Eu gosto de me comunicar com as pessoas, do trabalho externo. Fiz comunicação mas não concluí o curso porque eu tinha outra atividade, era bancário. Foi quando abandonei o curso. Mas, lá na frente, senti a necessidade de concluir, voltei e concluí.


Foto: Gabriel Barbosa

No início da sua carreira jornalística, ser filho de Joselito Lucena, um dos grandes narradores do país, aumentou a pressão sobre você para atuar na área e como você lidou com isso?

Tudo na vida tem o lado positivo e o negativo. Aconteceu muito rápido. No primeiro momento, fui ser repórter, surgiu uma necessidade de última hora no dia, a rádio tinha desligado dois repórteres. Havia um jogo à noite em Patos. "Ah, quem é que vai como repórter?". Todo mundo dizia: "Bota Rostand, ele já está aqui, todo mundo já o conhece". Ser repórter esportivo não pesou tanto. Quando estreei como narrador esportivo, estava completamente tranquilo. No entanto, a repercussão foi positiva e, aí sim, a responsabilidade realmente pesou, houve uma cobrança durante anos, e ainda tem gente que, ao conversar comigo, faz essa comparação: “você é um grande narrador, mas teu pai era melhor”. Eu sempre digo o seguinte: “eu nunca quis nem vou concorrer com ele”. Ele teve o seu momento, é imbatível, até hoje é o grande nome da crônica esportiva de Campina Grande, uma das maiores referências na Paraíba e no Nordeste. Eu criei meu próprio estilo, claro que fui nascido e criado ouvindo ele, não tem como evitar ter algumas características da narração dele, mas ele tinha a narração dele, eu vou ter a minha, assim como o colega, que está ao lado, vai ter a dele.


Sem dúvida, Zelito é uma das suas principais referências, mas você tem algum outro narrador esportivo que admire ou que tenha exercido influência sobre você? Quais são as características deles que mais chamam a sua atenção e que mais aprecia?

Jorge Curi. Grande narrador que sempre admirei, ouvi muito quando criança. Ele era o narrador titular da Rádio Globo. Durante anos, foi o principal narrador da Globo, e o que eu admiro nele é a precisão. O que eu também admirava na narração de Zelito. A precisão de descrever o lance e, principalmente, porque o rádio cria na imaginação do ouvinte aquele lance, é isso que eu busco nas minhas narrações; descrever de forma mais leal possível o que está acontecendo naquele momento. Quem está em casa quer saber onde a bola está, o jogador que está na posse da bola, onde a bola vai chegar, para se situar. E, para mim, Jorge Curi foi o grande narrador do país.


Foto: David Pereira

Qual partida e qual gol se destacam como os mais memoráveis em toda a sua carreira de narrador esportivo?

São muitos. Não dá para descrever, “foi aquele lance, foi aquele gol”, mas tem grandes momentos. Por exemplo, o Treze contra o Fluminense em 2005. Treze contra o Botafogo do Rio no Engenhão em 2012. Seria um jogo para meu pai narrar, e eu que fui. Treze e Botafogo decidiram a vaga da Copa do Brasil nos pênaltis. Se o Treze convertesse aquele pênalti, teria eliminado o Botafogo. Aí, um meio-campista do Treze terminou dando uma cavadinha e Jefferson, goleiro do Botafogo, acabou defendendo. É um lance que até hoje me marca. E tem o gol do Campinense contra o Fortaleza, em Fortaleza. Porque o Campinense estava perdendo o jogo por 2x0 e marcou um gol no fim. Quando terminou o jogo, eu disse assim: “olha, esse foi o gol do título”, porque se perdesse a partida daquela forma, estaria fora. Terminou revertendo a situação e foi obviamente o gol do título. O segundo gol do Campinense na final da Copa do Nordeste.


Não se pode ignorar a grandiosidade do maior clássico da cidade, "Treze x Campinense", um jogo que recebeu o epíteto de "Clássico dos Maiorais" pelas palavras de Joselito Lucena. Qual importância e influência dessa aura mística que permeia toda uma cidade? Como isso contribuiu para a sua carreira?

Um Treze x Campinense chama a atenção em todos os ângulos. Tem as pessoas que vão ao estádio e tem aquelas que acompanham através do rádio. Então, o impacto e o resultado da narração tendem a ter um diferencial. São mais pessoas ouvindo, o que aumenta a responsabilidade. Narrar um Treze x Campinense é sempre diferente, por causa do envolvimento da cidade no clássico.


Foto: David Pereira

A narração esportiva está passando por transformações significativas, onde o narrador se torna um personagem fundamental na promoção do jogo. Como você percebe esse panorama atual da narração esportiva?

A narração foi evoluindo com o tempo. Uma narração, em especial a de TV, era muito lenta e morosa, recentemente, deu uma acelerada. Luís Roberto, na Globo, é a referência de um cara que narra rápido. Eu acho esse estilo melhor e mais interessante. Claro, respeitando o estilo antigo, cada época tem seu momento. A área comercial, infelizmente, está tomando conta de tudo. O que eu não concordo na narração é a ênfase demais a determinados atletas que são patrocinados por grandes empresas multinacionais, em detrimento daqueles que deveriam ser destacados. Sempre cito o exemplo Neymar, ele é um bom jogador, mas não passa disso, não é aquele craque que é propagado. Tornou-se uma mercadoria e ao tornar-se uma mercadoria, tem que vender de todo jeito. Por mais que o telespectador esteja vendo que o nível da competição é fraco, o narrador vai ter que vender como um grande produto.


Narrar uma partida de futebol demanda extrema concentração e um cuidadoso processo de preparação. Como você se prepara para transmitir os jogos?

Primeiro, eu tenho que conhecer o que vou transmitir, faço uma ficha técnica no computador e levo para o estádio. Se for Treze x Campinense, procuro saber quem está melhor no campeonato e quais são os desfalques. Mas essa não é a função do repórter? Sim, mas eu tenho que saber. Eu não posso ir para um Clássico dos Maiorais e achar que vai ser a mesma coisa. Cada jogo tem a sua história; cada transmissão é diferente. A transmissão de futebol no rádio é mais completa, por ser instantânea ao contrário da TV, que não exige tanto nesse aspecto. No jogo, o cara pega a bola e o narrador não sabe o que ele vai fazer; tem que estar ali muito concentrado. Eu tinha um problema de concentração porque muita gente chega durante a transmissão; hoje pode chegar quem chegar, eu não olho nem de lado. Quando a porta abre, já sei que vai entrar alguém, e eu estou ali tão concentrado que nem vejo mais.


Foto: Gabriel Barbosa

Atualmente, estamos presenciando um debate em andamento sobre a representação feminina na narração de jogos de futebol, um tópico que divide opiniões. Como você tem visto essa discussão? E você acredita que o rádio também abrirá espaço para transmissões com narradoras mulheres?

Acho que sim, é uma tendência e tudo que é novo causa impacto. Como seres humanos, temos muito medo do desconhecido. A narração feminina até pouco tempo era completamente desconhecida então vai ter que passar por um período de incertezas, de reprovação de uma parte do público; isso acontece. É um período de inovação na TV, há essa cobrança, há a comparação e elas têm sofrido esse tipo de discriminação. Infelizmente, ainda existe discriminação da mulher no futebol, seja na arbitragem, como jogadora, seja comandando uma equipe. Existe esse estágio que é o novo, e ainda vai haver essa comparação por muito tempo. O que eu acho que deve ser feito é: deixa de lado o padrão masculino e cria o teu próprio padrão, cria o teu estilo. Não sei se é uma exigência das emissoras, mas tem sido o mesmo padrão para o feminino. É preciso criar um padrão, e quando criarem, segue em frente. O público vai perceber que é algo diferente e começar a consumir o produto.


Como você percebe a importância do futebol na comunidade local? O que é o futebol pra Campina Grande?

Esse debate, eu tenho feito há anos; porém, infelizmente, no futebol local, ele não tem sido levado a sério. Futebol teria que ser visto como parte da economia da cidade. Não se vê apoio, por exemplo, do poder público, da própria iniciativa privada, nenhuma atitude direcionada ao futebol. Futebol é uma cadeia produtiva. O Campinense perdeu uma vaga na série C. São 1 milhão de reais que deixa de entrar de imediato na cidade. Quem não viu recentemente Campinense e Santa Cruz disputando uma final de Copa do Nordeste? Tinha ali cinco mil torcedores do Santa Cruz; são cinco mil pessoas naquele dia que entram na sua cidade para gastar. Esse povo vai se alimentar onde? Quem é que vai faturar? Vai faturar o cara que vende churrasquinho do lado de fora do estádio, o cara que vende cana com pé de galinha. A economia informal vai ter um faturamento. É dinheiro de fora que entra na cidade, nos bares, nos restaurantes, nos postos de combustível, faz girar a economia.


Foto: David Pereira

Antigamente, era mais comum que os times locais tivessem calendários mais abrangentes. Se considerarmos equipes como o Treze, que ficou sem série este ano, e o Campinense, que também ficará sem calendário no próximo ano, nesse contexto, é possível sustentar-se exclusivamente com o jornalismo esportivo do estado?

Muito difícil, muito difícil mesmo. Vamos trazer para a realidade de Campina Grande. Temos visto uma realidade que este ano foi a mais difícil dos últimos anos, porque em julho já não havia mais calendário. Então você pega: agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. São cinco meses sem atividades esportivas. Como vai sustentar um departamento? Como é que vai manter as pessoas tendo como única atividade o jornalismo esportivo? Está cada ano mais difícil. Sobre essa questão de calendário, eu acho que é o principal equívoco da CBF. A CBF pegou um modelo, que é um modelo interessante, mas pegou um modelo europeu e trouxe para um país cuja realidade é completamente diferente. Então ela pegou uma estrutura europeia, de três divisões, quando aqui tem clubes demais. Então ela tem que, em um determinado momento, criar novas divisões, seja série E, F, G, H… para garantir a sobrevivência de vários clubes.


Como o Rostand ocupa o seu tempo após o encerramento das atividades dos clubes locais?

Até pouco tempo eu era bancário, hoje estou aposentado. Tenho uma parceria com a Rádio Caturité de vários anos, que infelizmente nos deixa sem fazer absolutamente nada aos domingos. Nos últimos anos, fizemos um contrato no qual, com competição, o contrato é de uma forma, e sem competição, o contrato é de outra forma. Nós temos optado assim. Tem um custo que é parte de uma cadeia produtiva. “Ah, mas temos a série C; o Botafogo está para subir”. Se quisermos vender hoje, o comércio local não compra devido à rivalidade, principalmente por ser o Botafogo. Não há como faturar. É melhor suspender as atividades e voltar na próxima temporada. Isso representa um prejuízo para todos, tanto profissionalmente quanto financeiramente. Atualmente, estamos mantendo a resenha esportiva diária de segunda a sexta, das 18h20 às 19h, e realizando algumas transmissões através do nosso canal no YouTube. Temos um planejamento para 2024, no qual vamos focar mais nas mídias sociais. Vamos implantar Instagram, Facebook, Podcast e qualquer outra coisa que você possa imaginar; iremos trabalhar nessa linha.


Foto: Kleyton Belarmino

O que é o jornalismo para você?

É grande parte da minha vida. Comecei muito novo na área e tive o prazer e a sorte de começar com pessoas que marcaram época no rádio de Campina Grande. Depois, tive também a sorte de conviver com grandes nomes da história do rádio de João Pessoa, Patos e Sousa. Eu não sei viver sem me comunicar, não sei viver sem estar na ativa. Minha esposa até chegou para mim e disse assim: “rapaz, eu pensei que quando tu se aposentasse iria parar, vai topar isso de novo? Tu dissesse que não iria”. Eu vou por prazer, porque é o que eu gosto de fazer. Claro que chega um momento, como tudo na vida, que é preciso parar, não penso em parar nem tão cedo, as como sou muito crítico, penso que quando a voz começar a falhar eu mesmo vou me determinar a parar. Tudo na vida tem o seu tempo, o seu momento. A vida é dinâmica, passa rápido.


Confira mais imagens no slideshow:

 

FICHA TÉCNICA

Produção e fotografia: David Pereira, Gabriel Barbosa e Kleyton Belarmino

Supervisão editorial: Ada Guedes e Rostand Melo

Entrevistado: Rostand Lucena

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