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Cemitério Monte Santo: histórias enterradas, mas nunca esquecidas

  • coletivof8noite
  • 21 de mar. de 2020
  • 5 min de leitura

Erguido como o segundo cemitério da cidade, o Monte Santo transformou-se, ao longo do tempo, em um santuário de memórias e silêncios que guardam a alma da história campinense 

Entrada principal do Cemitério Nossa Senhora do Carmo / Foto: Andrey Araújo
Entrada principal do Cemitério Nossa Senhora do Carmo / Foto: Andrey Araújo

O Cemitério Nossa Senhora do Carmo, localizado no bairro Monte Santo, em Campina Grande (PB), é o mais visitado da cidade e guarda parte importante da história local. Criado após a superlotação do antigo Cemitério das Boninas, tornou-se referência cultural e histórica para pesquisadores e moradores. 

Foto: Ellison Ferreira
Foto: Ellison Ferreira

Entre palmeiras e jambeiros, em um dos morros mais altos do centro da Rainha da Borborema, o Monte Santo — nome popular herdado do bairro onde está — há décadas desempenha um papel que vai além das despedidas. É também um espaço de memória, onde se preservam legados concretos que influenciam os estudos sobre o município. 

Antes dele, o primeiro cemitério da cidade, o Cemitério das Boninas, surgiu durante a epidemia de cólera-morbo em 1856. Até então, os sepultamentos ocorriam em igrejas ou campos afastados. Isso mudou com a promulgação da Lei Estadual nº 09, de 12 de setembro de 1857, que proibiu enterros dentro de templos religiosos e determinou que fossem feitos em cemitérios organizados, fora das áreas povoadas. 

Com o tempo, a capacidade das Boninas se esgotou, e a cidade precisou de um novo espaço. Foi então que o prefeito João Lourenço Porto, em parceria com o vigário Monsenhor Sales, escolheu o terreno onde hoje está o Nossa Senhora do Carmo.  De acordo com a administração do cemitério, sob responsabilidade de Edinaldo Bezerra Melo, o Monte Santo abriga cerca de 4 mil túmulos e mais de 16 mil pessoas sepultadas, sem considerar as antigas covas rasas, prática que caiu em desuso com o tempo. 


Foto: Andrey Araújo
Foto: Andrey Araújo

Entre túmulos e sentimentos: a rotina silenciosa no Monte Santo 

Lucas Costa é um dos coveiros do Cemitério Nossa Senhora do Carmo, o tradicional Monte Santo, em Campina Grande. Com simplicidade e um olhar profundo sobre o ofício, ele descreve o cotidiano entre túmulos, flores e o silêncio das árvores. “Cada passo aqui é um turbilhão de sentimentos. Tem dia que é leve, quase confortável... tem dia que pesa. Mas, no fim, é paz”. Acostumado a lidar com despedidas e com a rotina da morte, Lucas traduz sua vivência com uma metáfora mecânica, que, longe de soar fria, revela a lucidez de quem observa a finitude todos os dias. 

“É como se fosse um grande maquinário: se uma peça quebra, ela é substituída. Você encontra outra e coloca no lugar”, afirma. 

  

Ao caminhar pelos corredores e ruas que ligam a entrada aos túmulos, o silêncio domina o ambiente. Para alguns, ele pode soar como uma interrogação; para outros, representa paz — não apenas como ausência de ruído, mas como a certeza de que ali repousam histórias. Entre um túmulo e outro, a diversidade arquitetônica chama atenção: monumentos simples, curiosos ou artisticamente elaborados revelam diferentes épocas e valores. Muitos pertencem a figuras importantes da cidade — políticos, músicos, poetas, jornalistas e até pessoas consideradas milagrosas, cuja memória ainda reverbera na cultura local. 

Um verdadeiro arquivo a céu aberto de Campina Grande   Ali repousam expoentes da cultura popular, como o poeta Raymundo Asfora, e os músicos Genival Lacerda e Biliu de Campina, símbolos da identidade musical nordestina. Entre os políticos sepultados no local, estão o influente Major Veneziano, o ex-governador Ronaldo Cunha Lima, além de Irineu Joffilly e Félix Araújo

Entre os que contribuíram com o pensamento e a literatura local estão o escritor Manoel Elias de Araújo e o icônico vendedor de livros José Pedrosa, figura conhecida pelas ruas da cidade. Há ainda espaço para personagens emblemáticos da história regional, como os cangaceiros Antônio Silvino e João Carga D’Água, cujas trajetórias misturam realidade e mito. E, para muitos campinenses, o cemitério é também um território da fé: os túmulos de Aluska Santos, Vicente Mariano e o Mausoléu do Maçom são considerados locais de devoção e promessas, visitados com frequência por fiéis. 

Apesar de aberto à visitação das 7h às 18h, o Cemitério enfrenta problemas recorrentes com vândalos e usuários de drogas que furtam placas de bronze e alumínio, além de depredação de túmulos, comprometendo a memória histórica do local. Segundo Edinaldo, administrador há mais de 20 anos, embora haja vigilância, ela não é suficiente para impedir essas ações, já que o espaço é um verdadeiro labirinto. Questionado do que é feito para evitar o vandalismo -de cabeça baixa e revoltado-, responde: “É impossível evitar tudo. O que podemos fazer é registrar boletins de ocorrência e notificar aos responsáveis, onde, na maioria das vezes, não obtivi respostas”.  

Túmulo violado / Foto: Ellison Ferreira
Túmulo violado / Foto: Ellison Ferreira

Ele ressalta que os túmulos são limpos sempre pelos familiares, e afirma que o uso de água para o manuseio, geralmente abastecido aos sábados pela manhã, vem de carros pipas do açude, localizado no bairro de Bodocongó. Josélia e Joelma, que trabalham há mais de 12 anos no cemitério, dedicam-se à limpeza individual dos túmulos como fonte extra de renda. E, ressaltam a sensação constante de insegurança e assédio no local. “É difícil trabalhar aqui com tranquilidade, porque a gente sabe que o espaço é de fácil acesso a furtos e vandalismo”, conta Josélia. 

“Ô, meu filho, eles vêm quebram tudo, o dono vê e não pode pagar mais a gente. Eu perdi dois túmulos ali; já é menos R$200,00 no meu orçamento do mês, que eu perdi!”, descreve Joelma. 

Diante dos relatos colhidos no local, a nossa equipe procurou os responsáveis pela cemitério para esclarecer as medidas adotadas diante dos relatos de vandalismo, insegurança e abandono. Até o momento do fechamento desta reportagem, contudo, não houve retorno. Os depoimentos obtidos no local evidenciam um cenário de fragilidade na preservação do espaço, marcado pela ausência de vigilância efetiva, sensação de insegurança entre os trabalhadores e prejuízos constantes aos familiares dos sepultados.

Entre túmulos que preservam nomes ilustres e histórias anônimas, o Cemitério Nossa Senhora do Carmo guarda a memória coletiva de Campina. No alto do Monte Santo, entre o verde das árvores e o branco das cruzes, repousa não apenas o passado da cidade, mas também um futuro que só será digno se houver memória, respeito e cuidado. Em meio ao silêncio cortado por passos lentos e orações sussurradas, o cemitério segue resistindo. O desafio, agora, é transformar o descaso em valorização — e garantir que a herança guardada ali não se perca no esquecimento, porque preservar um cemitério como o Monte Santo é também preservar a identidade de um povo inteiro. 

Capela Nossa Senhora do Carmo / Foto: Ellison Ferreira
Capela Nossa Senhora do Carmo / Foto: Ellison Ferreira

Expediente:

Redação: Ellison Ferreira

Supervisão editorial: Rostand Melo e Ada Guedes


2 comentários

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Convidado
28 de out.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Trabalho impecável!.

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Andrey
28 de out.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Que trabalho maravilhoso.

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